A história da opinião pública brasileira
* Por
Raul Longo
V Parte – Desideratos
Apesar de pouco
utilizado, desiderato é o substantivo que mais apropriadamente significa a
Opinião Pública brasileira. Por toda a história, sem dúvida nossa Opinião
Pública sempre foi desiderativa. Somos um povo permanentemente desiderato, pois
por melhor que esteja a situação, continuamos aspirando pelo ainda melhor.
“Brasileiro, profissão esperança” é mais que um frase de efeito, é um lema. A
palavra desiderato tem exatamente este significado: esperança, aspiração.
Talvez a Opinião
Pública brasileira seja essencialmente desiderativa exatamente porque na maior
parte de nossa história tudo sempre esteve muito mal e só nos restava desejar
por melhora das condições de vida. Daí que impossível termos outro
comportamento, mesmo quando tudo vai bem. Se vai bem é porque pode ser melhor,
e esse melhor será o que almejaremos em todas as circunstâncias, mesmo quando
se está na base da escala social com um gari daqueles aos quais o Boris Casoy
ironizou por terem desejado feliz natal aos espectadores da emissora onde, então,
o fascista atuava.
Boris Casoy é sionista
e sionistas não são brasileiros, somos palestinos e sempre acreditaremos na
possibilidade de melhorar tudo. Isso é muito bom porque quando deixarmos de
aspirar, de desejar um Brasil melhor, não lutaremos por esse país e novamente
nos tornamos presa fácil de nossos espoliadores que prometendo caçar marajás
acabam é caçando nossas parcas economias, como fez o André Lara Rezende que a
Marina Silva está trazendo de volta e foi o principal responsável pelo confisco
da poupança de cada brasileiro no lançamento do Plano Collor.
Por outro lado, também
temos de tomar muito cuidado! Como substantivo, desiderato não é um adjetivo,
não é uma qualificação. É a própria esperança, o próprio anseio. Somos o que
somos e não podemos mudar essa realidade, mas temos de evitar fugir da
realidade e acreditando em promessas de melhoras, piorarmos o que estiver bom.
Foi o que aconteceu no caso do Jânio Quadros o que usamos na Parte I destas
série sobre a História da Opinião Pública e ainda vamos comentar algo do
altíssimo preço que aos longo de tão pesados anos pagamos por aquele erro, ao
piorar tudo achando que se iria melhorar alguma coisa.
Como desideratos
tivemos apenas 2 momentos vitoriosos em toda nossa história. Nos demais sempre
fomos vencidos, derrotados. E em duas ocasiões fomos iludidos, enganados. Ou
nos deixamos enganar. Em termos de história, esses erros foram recentes e se
deram muito próximos um de outro, apenas uma geração. E antes de repeti-los
convém conhecer bem nossa história desde as primeiras manifestações desse nosso
aspecto desiderato desde quando aqui chegaram os colonizadores estragando o que
era e estava perfeito.
Depois, quando os
movimentos de independência se espalharam por toda a América, aqui também eclodiram
mobilizações autonomistas, em maioria congregando três desideratos:
independência, abolição e república.
Com a proclamação da
independência por Pedro I, a motivação principal arrefeceu, mas aos poucos se
foi percebendo que o Imperador e a própria independência não passavam de
engodo, pois tivemos de indenizar Portugal por terem nos explorado durante 322
anos. Foi um balde de água fria como aquela história do Caçador de Marajás que
a primeira coisa que caçou foi a economia popular.
Mas assim como aconteceu
com o Collor, logo a indignação popular se manifestou numa animosidade que
eclodiu quando os portugueses resolveram organizar uma festa para recepcionar
Dom Pedro I que voltava de uma viagem a Minas Gerais, onde já fora hostilizado
pelo povo. Por si a comemoração era um acinte para os brasileiros. Afinal como
se podia aceitar que quem declarou nossa independência festeja-se com os
colonizadores a insatisfação do nosso povo?
Dá para se traçar
inúmeros paralelos com as atitudes e comportamentos dúbios e contraditórios de
uma atual candidata à presidência, mas vamos nos manter na história porque
aquilo acabou em grossa pancadaria e o tempo fechou com mesas e cadeiras voando
pra todo lado! Isso para citar apenas os objetos mais leves e menos contundentes,
porque o que mais teve mesmo foi pedrada e muita garrafa daqui pra’li e dali
pra cá! Um salseiro de muitas horas e, evidentemente, feridos, mulheres
desmaiando, outras atirando os tamancos, pernadas, pescoções e mordidas. Um “aí
Jesus!”
Não foi exatamente um
batalha, mas o tumulto daquele 11 de março de 1831 entrou para a história como
a Noite das Garrafadas, como uma das poucas vitórias da Opinião Pública
nacional, pois no seguinte 7 de Abril, Dom Pedro entregou os pontos e uma carta
de abdicação ao Major Miguel de Frias e Vasconcelos. E naquele mesmo dia refez
o caminho inverso do pai, quando João VI fugiu de Portugal para cá.
Mas a Noite das
Garrafadas foi só o começo, pois muitas outras aguerridas manifestações
republicanas ocorreram por todo o Período da Regência que compreendeu
exatamente entre a abdicação de Pedro I e a maioridade de Pedro II. Maioridade
precoce, aos 12 anos de idade, antecipada exatamente para conter a dissolução
do Império.
Entre os tantos
desideratos brasileiros que sonharam com a república, os da República
Rio-Grandense e da República Juliana não foram os únicos e nem os primeiros. A
importância de se instituir uma República no maior país do continente, verdade
já era uma antiga percepção internacional e logo depois da declaração de
independência por Pedro I que instaurou uma Monarquia, em carta a San Martin,
Simão Bolívar sugeriu que da Argentina se invadisse o Brasil para impor uma independência de fato, abolindo a
escravatura e livrando-nos de vez da nobreza ridícula, viciosa, arremedo das
corrompidas cortes europeias. Como grande desiderato que foi, Bolívar sonhava
em instituir por todo o continente a liberdade da Opinião Pública
Latino-Americana e sabia da importância do nosso país para a consolidação da
soberania dos povos de toda a América.
Pobre Bolívar! Mal
sabia que em sua própria Venezuela ainda se teria de esperar cerca de 2 séculos
para surgirem líderes que exigiriam e mereceriam o respeito da comunidade das
nações. Ainda estamos lutando por isso em cada país do continente, enfrentando
os especuladores internacionais e as elites colonialistas de dentro de nossas
fronteiras. Essas elites que constantemente nos ameaçam com manipulações,
induções e condicionamento da Opinião Pública. Colonialistas que deturpam a
percepção popular e a conduzem para onde mais lhes interessa.
Para isso lançam mão de
todos os expedientes, inclusive da compra dos caráter mais débeis. Inclusive
daqueles que já participaram da luta pela autodeterminação dos povos. Sempre há
aqueles que se vendem e conhecendo nossos anseios manipulam nossas consciências
contra o que eles mesmo antes pregavam, mas hoje renegam ao estilo do “esqueçam
tudo o que escrevi” ou simplesmente negam, recusam e não assumem o que
publicamente afirmaram um dia antes, conferindo às próprias palavras a
qualificação de lenda.
Iludem como vítimas,
mas deliberadamente entregam-se aos caprichos de seus antigos algozes e até
acusam de elite o antigo companheiro que a elite assassinou. Insensíveis à
perda do próprio significado, são coordenados pelos que lhes compraram a
vontade, a determinação e a consciência. Por fim, sequer demonstram alguma
vergonha pelo absurdo em que se tornaram. Por mais triste a situação dos que se
dejetam pelas drogas, ainda não é tanto quanto a desses que se tornam
especuladores do próprio passado, estragando e piorando o que de melhor de si
em algum momento existiu!
Ah Bolívar! Quanto
vomitarias com esses novos falsários desta nossa América que ainda hoje não é
muito distinta daquele que ajudaste a construir com Sucre, San Martin, Bernardo
O’Higgins e tantos outros dos libertadores que ao constituir as independências
dos países da América, conjuntamente instituíam as repúblicas de todo o
continente, menos no Brasil que se manteve Império embora aqui tenha se
constituído a primeira grande República americana.
E aquela não foi apenas
a primeira república do continente americano como a mais perfeita de todas da
história universal segundo Voltaire. O grande pensador francês e um dos maiores
da história da humanidade, considerou aquela nossa república como “o triunfo da
Humanidade”.
A história dessa
República se findou na Guerra Guaranítica, cinematograficamente remontada numa
produção inglesa que se tornou mundialmente conhecida sob o título The Mission
(A Missão). O enredo das cenas daquele filme é a Guerra Guaranítica que se deu
entre 1750 e 1756, envolvendo alguns jesuítas, milhares de índios guaranis e as
forças imperiais de Espanha e Portugal.
O que provocou o
conflito foi o Tratado de Madrid quando Portugal e Espanha resolvem redefinir
suas fronteiras coloniais e sem qualquer respeito, interesse ou conhecimento da
Opinião Pública das colônias, passam ao domínio português a região das missões
jesuíticas que até então respondia ao domínio espanhol. Diferentemente da
Espanha, Portugal permitia a escravização de indígenas, mas as missões
jesuíticas haviam implantado entre aqueles guaranis todo um sistema
sócio/político e cultural que imprimiu-lhes dignidade de povo alfabetizado e
livre. Eram os índios dos Sete Povos, dos sete aldeamentos guaranis.
Eram os guaranis e não
admitiram de forma alguma que a região, até então uruguaia e colonizada pelos
espanhóis, se tornasse brasileira, pois isso os transformaria em escravos de
grosseiros, incultos, estúpidos e analfabetos portugueses. E eles eram os
guaranis, uma cultura ímpar a que os europeus mais sensíveis e capazes de
distinguir quão superiores à vergonhosa barbárie ibérica, tanto admiravam . “O
triunfo da Humanidade”!
Eram os guaranis e
liderados pelo bravo Sepé Tiaraju, a dignidade da Opinião Pública guarani
reagiu.
Sepé Tiaraju foi
santificado pelo catolicismo sertanejo da região e hoje há o município de São
Sepé no estado de Rio Grande do Sul. Em 2009, o governo Lula resgatou esse
personagem esquecido por nossa história e finalmente José Tiaraju (nome de
batismo, e Sepé para a gente daquelas Missões) foi oficialmente reconhecido
como grande herói da história das Américas.
Tiaraju (Facho de Luz)
foi aclamado por seu povo como Prefeito da Redução ou Missão de São Miguel, no
auge da República Guarani que em verdade compreendia muito mais do que os Sete
Povos das Missões e se estendia por 30 povoamentos onde os responsáveis por
cada uma delas era aclamado por decisão da Opinião Pública.
Os gregos podem ter
inventado a democracia para a Europa, mas na América os guaranis
implantaram uma democracia muito mais
real do que a da antiga Grécia, onde mulheres e escravos não tinham direito a
voto. Na República dos Guaranis não havia escravos. Tudo era igualitariamente
dividido entre todos e cada um se reconhecia os mesmos deveres e direitos,
constituindo-se em uma República Socialista um século antes de surgirem os
primeiros socialistas europeus.
O fim da República Guarani,
onde tudo era decidido por consenso com a participação de cada indivíduo da
tribo independentemente de gênero ou faixa etária, muito deve ter impactado
Voltaire, mas o massacre dos guaranis se perpetua até hoje. Ainda hoje a
barbárie ocidental de brancos ditos civilizados continua massacrando o “triunfo
da humanidade”, em prosseguimento a Guerra Guaranítica que nos conceitos
militares não foi guerra ou sequer batalha. Apenas um massacre genocida e dos
maiores já promovidos em nosso continente.
Outra tentativa de
implantação republicana no Brasil foi a Confederação do Equador. Em 1824, com
sede em Pernambuco, este movimento separatista contra o absolutismo de Pedro I
pretendia a criação de um estado que compreenderia do Piauí ao Sergipe. O mentor intelectual foi Frei Caneca, mas
suas origens foram a Revolução Pernambucana de 1817 e a Guerra dos Mascates de
1710-1711, confrontos entre reinóis das elites colonialistas portuguesas e os
interesses de insurgentes elites de latifundiárias e comerciantes brasileiros.
Em todos esses
movimentos a Opinião Pública foi manipulada pelas classes economicamente
dominantes e sem ideais de defesa dos interesses populares. Na Confederação do
Equador se chegou a levantar a proposição de repetir o exemplo do Haiti que então
recentemente se libertara da França através de uma revolta popular, pondo
também fim a escravatura. Mas foi uma proposta exclusiva de Paes de Andrade, um
dos líderes do movimento, e se tornou motivo para provocar a dissidência de
muitos Confederados que passaram a apoiar o Império, contribuindo para sufocar
o movimento e demonstrando a correção do alerta para que a Opinião Pública se
mantenha atenta as intenções manipulativas das elites, pois os interesses
daqueles sempre são meramente econômicos e oportunistas.
Mas embora entre os
Inconfidentes de Vila Rica, em 1789, o único de origem popular, Tiradentes,
tenha sido utilizado como exemplo para coibir intentos emancipacionistas, o
desiderato da Opinião Pública pela liberdade permaneceu se exemplificando mais
na coragem do que no sofrimento do mártir. E além desses levantes das classes
mais abastadas, muitas foram as revoltas legitimamente populares, como no
acontecimento em Salvador, no ano de 1798, conhecido como a Revolta dos
Alfaiates. Aquilo foi um movimento popular com propostas trabalhistas,
abolicionistas, autonomistas e republicanas, exigindo ainda abertura dos
portos, criminalização dos preconceitos raciais, aumentos salariais e redução
de impostos. Um movimento autenticamente
progressista.
No período da
Regência,, enquanto as elites se embatiam pela vacância do poder abandonado a
uma criança de 5 anos de idade, o povo brasileiro foi igualmente abandonado ao
despotismo e à miséria e inúmeras manifestações Opinião Pública respondiam
violentamente a essa violência. Desde a Revolução Farroupilha no Rio Grande do
Sul até a Cabanagem na então província do Grão Pará, um levante popular de
tapuios, negros e mestiços que em profunda miséria viviam em cabanas
ribeirinhas de Belém do Pará. O movimento se extinguiu com um dos maiores
massacres já praticado por uma força nacional contra o próprio povo, levando a
redução de cerca de 40% da população do Pará.
No Recôncavo Baiano, em
1822 ,as cidades de São Félix e Cachoeira se levantaram em mobilização republicana
liderada por Bernardo Miguel Guanais, mas o principal resultado do que foi
chamado de Revolta dos Guanais, foi a Sabinada em 1838. Liderada pelo médico e
jornalista Francisco Sabino Vieira, essa outra revolta também proclamou uma
República Baiana, mas não obteve a adesão da elite agrária e tampouco apoio das
camadas populares, então formadas basicamente por escravos. Após dominarem
Salvador por quatro meses, os revoltosos foram vencidos em combates com saldo
de cerca de mil vidas perdidas.
Três anos antes
ocorrera ali mesmo em Salvador o primeiro levante religioso do Brasil, mas que
se constituiu num movimento eminentemente social e abolicionista. Ao
protagonizar a Revolta dos Maleses, os escravos islâmicos de Salvador
provocaram uma comoção nacional entre os brancos escravagistas. Amedrontados,
os senhores brancos, analfabetos e covardes, assustaram-se com a constância de
cartas e bilhetes circulando de mão em mão entre seus escravos, todos
alfabetizados como manda o Alcorão. E o pior é que nem os curas, os padres, por
mais alfabetizados fossem, poderiam desvendar aqueles escritos árabes que, sem
dúvida, determinavam ações revolucionárias.
Cidadãos judeus foram
convocados como interpretes, inclusive nos tribunais que julgavam e condenavam
os escravos aprisionados como revoltosos e subversivos. Mas não foram de
nenhuma utilidade porque conforme garantiam, a maioria das correspondências não
implicavam em nada mais do que receitas de mezinhas para as tantas doenças e
problemas de saúde dos sofridos escravos. O de mais “revolucionário” de seus
conteúdos eram algumas rezas e evocações de feitiços para castigar a crueldade
dos senhores, num muito compreensível desiderato de justiça. A partir daí a
polícia e a justiça baiana passou a perseguir e condenar negros livres ou
escravos por feiticeiros, confirmando que a frase espanhola: “Yo no creo en las
brujas, pero que hay, hay!” também representava os medos e pavores dos
escravocratas baianos.
A última das revoltas
de caráter eminente popular e já no início do reinado de Pedro II foi a
Revolução Praieira, em Pernambuco. O desiderato que motivou essa revolta foi a
eliminação dos abusos de poder dos latifundiários daquele estado, exemplificadas nesta quadra popular: "Quem
viver em Pernambuco / não há de estar enganado/ Tem de saber que, ou há de ser
Cavalcanti / ou há de ser cavalgado."
Por volta de 1977 a
declaração de um Cavalcanti indicado governador de Pernambuco pela ditadura
militar, demonstrou a continuidade naquele estado da mesma situação que motivou
a Revolução Praieira entre 1848 e 1850. Naquele
pronunciamento à câmera de uma emissora de TV, o interventor respondeu
publicamente aos que o acusavam de repressor: “Claro que sou repressor! Como
governador é essa minha função!”
Mas para chegar à ditadura
militar e conhecer os fatores que promoveram a primeira efetiva participação da
Opinião Pública nos destinos do país, antes é preciso retornar ao Rio Grande do
Sul, onde primeiro se riscou os traços que vão desenhar todo o futuro político
do país.
*Raul Longo é jornalista, escritor
e poeta. Mora em Florianópolis e é colaborador do “Quem tem medo da
democracia?”, onde mantém a coluna “Pouso
Longo”.
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