sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A história da opinião pública brasileira


* Por Raul Longo

V Parte – Desideratos

Apesar de pouco utilizado, desiderato é o substantivo que mais apropriadamente significa a Opinião Pública brasileira. Por toda a história, sem dúvida nossa Opinião Pública sempre foi desiderativa. Somos um povo permanentemente desiderato, pois por melhor que esteja a situação, continuamos aspirando pelo ainda melhor. “Brasileiro, profissão esperança” é mais que um frase de efeito, é um lema. A palavra desiderato tem exatamente este significado: esperança, aspiração.

Talvez a Opinião Pública brasileira seja essencialmente desiderativa exatamente porque na maior parte de nossa história tudo sempre esteve muito mal e só nos restava desejar por melhora das condições de vida. Daí que impossível termos outro comportamento, mesmo quando tudo vai bem. Se vai bem é porque pode ser melhor, e esse melhor será o que almejaremos em todas as circunstâncias, mesmo quando se está na base da escala social com um gari daqueles aos quais o Boris Casoy ironizou por terem desejado feliz natal aos espectadores da emissora onde, então, o fascista atuava.

Boris Casoy é sionista e sionistas não são brasileiros, somos palestinos e sempre acreditaremos na possibilidade de melhorar tudo. Isso é muito bom porque quando deixarmos de aspirar, de desejar um Brasil melhor, não lutaremos por esse país e novamente nos tornamos presa fácil de nossos espoliadores que prometendo caçar marajás acabam é caçando nossas parcas economias, como fez o André Lara Rezende que a Marina Silva está trazendo de volta e foi o principal responsável pelo confisco da poupança de cada brasileiro no lançamento do Plano Collor.

Por outro lado, também temos de tomar muito cuidado! Como substantivo, desiderato não é um adjetivo, não é uma qualificação. É a própria esperança, o próprio anseio. Somos o que somos e não podemos mudar essa realidade, mas temos de evitar fugir da realidade e acreditando em promessas de melhoras, piorarmos o que estiver bom. Foi o que aconteceu no caso do Jânio Quadros o que usamos na Parte I destas série sobre a História da Opinião Pública e ainda vamos comentar algo do altíssimo preço que aos longo de tão pesados anos pagamos por aquele erro, ao piorar tudo achando que se iria melhorar alguma coisa.

Como desideratos tivemos apenas 2 momentos vitoriosos em toda nossa história. Nos demais sempre fomos vencidos, derrotados. E em duas ocasiões fomos iludidos, enganados. Ou nos deixamos enganar. Em termos de história, esses erros foram recentes e se deram muito próximos um de outro, apenas uma geração. E antes de repeti-los convém conhecer bem nossa história desde as primeiras manifestações desse nosso aspecto desiderato desde quando aqui chegaram os colonizadores estragando o que era e estava perfeito.

Depois, quando os movimentos de independência se espalharam por toda a América, aqui também eclodiram mobilizações autonomistas, em maioria congregando três desideratos: independência, abolição e república.

Com a proclamação da independência por Pedro I, a motivação principal arrefeceu, mas aos poucos se foi percebendo que o Imperador e a própria independência não passavam de engodo, pois tivemos de indenizar Portugal por terem nos explorado durante 322 anos. Foi um balde de água fria como aquela história do Caçador de Marajás que a primeira coisa que caçou foi a economia popular.

Mas assim como aconteceu com o Collor, logo a indignação popular se manifestou numa animosidade que eclodiu quando os portugueses resolveram organizar uma festa para recepcionar Dom Pedro I que voltava de uma viagem a Minas Gerais, onde já fora hostilizado pelo povo. Por si a comemoração era um acinte para os brasileiros. Afinal como se podia aceitar que quem declarou nossa independência festeja-se com os colonizadores a insatisfação do nosso povo?

Dá para se traçar inúmeros paralelos com as atitudes e comportamentos dúbios e contraditórios de uma atual candidata à presidência, mas vamos nos manter na história porque aquilo acabou em grossa pancadaria e o tempo fechou com mesas e cadeiras voando pra todo lado! Isso para citar apenas os objetos mais leves e menos contundentes, porque o que mais teve mesmo foi pedrada e muita garrafa daqui pra’li e dali pra cá! Um salseiro de muitas horas e, evidentemente, feridos, mulheres desmaiando, outras atirando os tamancos, pernadas, pescoções e mordidas. Um “aí Jesus!”

Não foi exatamente um batalha, mas o tumulto daquele 11 de março de 1831 entrou para a história como a Noite das Garrafadas, como uma das poucas vitórias da Opinião Pública nacional, pois no seguinte 7 de Abril, Dom Pedro entregou os pontos e uma carta de abdicação ao Major Miguel de Frias e Vasconcelos. E naquele mesmo dia refez o caminho inverso do pai, quando João VI fugiu de Portugal para cá.

Mas a Noite das Garrafadas foi só o começo, pois muitas outras aguerridas manifestações republicanas ocorreram por todo o Período da Regência que compreendeu exatamente entre a abdicação de Pedro I e a maioridade de Pedro II. Maioridade precoce, aos 12 anos de idade, antecipada exatamente para conter a dissolução do Império.

Entre os tantos desideratos brasileiros que sonharam com a república, os da República Rio-Grandense e da República Juliana não foram os únicos e nem os primeiros. A importância de se instituir uma República no maior país do continente, verdade já era uma antiga percepção internacional e logo depois da declaração de independência por Pedro I que instaurou uma Monarquia, em carta a San Martin, Simão Bolívar sugeriu que da Argentina se invadisse o Brasil para  impor uma independência de fato, abolindo a escravatura e livrando-nos de vez da nobreza ridícula, viciosa, arremedo das corrompidas cortes europeias. Como grande desiderato que foi, Bolívar sonhava em instituir por todo o continente a liberdade da Opinião Pública Latino-Americana e sabia da importância do nosso país para a consolidação da soberania dos povos de toda a América.

Pobre Bolívar! Mal sabia que em sua própria Venezuela ainda se teria de esperar cerca de 2 séculos para surgirem líderes que exigiriam e mereceriam o respeito da comunidade das nações. Ainda estamos lutando por isso em cada país do continente, enfrentando os especuladores internacionais e as elites colonialistas de dentro de nossas fronteiras. Essas elites que constantemente nos ameaçam com manipulações, induções e condicionamento da Opinião Pública. Colonialistas que deturpam a percepção popular e a conduzem para onde mais lhes interessa.

Para isso lançam mão de todos os expedientes, inclusive da compra dos caráter mais débeis. Inclusive daqueles que já participaram da luta pela autodeterminação dos povos. Sempre há aqueles que se vendem e conhecendo nossos anseios manipulam nossas consciências contra o que eles mesmo antes pregavam, mas hoje renegam ao estilo do “esqueçam tudo o que escrevi” ou simplesmente negam, recusam e não assumem o que publicamente afirmaram um dia antes, conferindo às próprias palavras a qualificação de lenda.

Iludem como vítimas, mas deliberadamente entregam-se aos caprichos de seus antigos algozes e até acusam de elite o antigo companheiro que a elite assassinou. Insensíveis à perda do próprio significado, são coordenados pelos que lhes compraram a vontade, a determinação e a consciência. Por fim, sequer demonstram alguma vergonha pelo absurdo em que se tornaram. Por mais triste a situação dos que se dejetam pelas drogas, ainda não é tanto quanto a desses que se tornam especuladores do próprio passado, estragando e piorando o que de melhor de si em algum momento existiu!

Ah Bolívar! Quanto vomitarias com esses novos falsários desta nossa América que ainda hoje não é muito distinta daquele que ajudaste a construir com Sucre, San Martin, Bernardo O’Higgins e tantos outros dos libertadores que ao constituir as independências dos países da América, conjuntamente instituíam as repúblicas de todo o continente, menos no Brasil que se manteve Império embora aqui tenha se constituído a primeira grande República americana.

E aquela não foi apenas a primeira república do continente americano como a mais perfeita de todas da história universal segundo Voltaire. O grande pensador francês e um dos maiores da história da humanidade, considerou aquela nossa república como “o triunfo da Humanidade”.

A história dessa República se findou na Guerra Guaranítica, cinematograficamente remontada numa produção inglesa que se tornou mundialmente conhecida sob o título The Mission (A Missão). O enredo das cenas daquele filme é a Guerra Guaranítica que se deu entre 1750 e 1756, envolvendo alguns jesuítas, milhares de índios guaranis e as forças imperiais de Espanha e Portugal.

O que provocou o conflito foi o Tratado de Madrid quando Portugal e Espanha resolvem redefinir suas fronteiras coloniais e sem qualquer respeito, interesse ou conhecimento da Opinião Pública das colônias, passam ao domínio português a região das missões jesuíticas que até então respondia ao domínio espanhol. Diferentemente da Espanha, Portugal permitia a escravização de indígenas, mas as missões jesuíticas haviam implantado entre aqueles guaranis todo um sistema sócio/político e cultural que imprimiu-lhes dignidade de povo alfabetizado e livre. Eram os índios dos Sete Povos, dos sete aldeamentos guaranis.

Eram os guaranis e não admitiram de forma alguma que a região, até então uruguaia e colonizada pelos espanhóis, se tornasse brasileira, pois isso os transformaria em escravos de grosseiros, incultos, estúpidos e analfabetos portugueses. E eles eram os guaranis, uma cultura ímpar a que os europeus mais sensíveis e capazes de distinguir quão superiores à vergonhosa barbárie ibérica, tanto admiravam . “O triunfo da Humanidade”!

Eram os guaranis e liderados pelo bravo Sepé Tiaraju, a dignidade da Opinião Pública guarani reagiu.

Sepé Tiaraju foi santificado pelo catolicismo sertanejo da região e hoje há o município de São Sepé no estado de Rio Grande do Sul. Em 2009, o governo Lula resgatou esse personagem esquecido por nossa história e finalmente José Tiaraju (nome de batismo, e Sepé para a gente daquelas Missões) foi oficialmente reconhecido como grande herói da história das Américas.

Tiaraju (Facho de Luz) foi aclamado por seu povo como Prefeito da Redução ou Missão de São Miguel, no auge da República Guarani que em verdade compreendia muito mais do que os Sete Povos das Missões e se estendia por 30 povoamentos onde os responsáveis por cada uma delas era aclamado por decisão da Opinião Pública.

Os gregos podem ter inventado a democracia para a Europa, mas na América os guaranis implantaram  uma democracia muito mais real do que a da antiga Grécia, onde mulheres e escravos não tinham direito a voto. Na República dos Guaranis não havia escravos. Tudo era igualitariamente dividido entre todos e cada um se reconhecia os mesmos deveres e direitos, constituindo-se em uma República Socialista um século antes de surgirem os primeiros socialistas europeus.

O fim da República Guarani, onde tudo era decidido por consenso com a participação de cada indivíduo da tribo independentemente de gênero ou faixa etária, muito deve ter impactado Voltaire, mas o massacre dos guaranis se perpetua até hoje. Ainda hoje a barbárie ocidental de brancos ditos civilizados continua massacrando o “triunfo da humanidade”, em prosseguimento a Guerra Guaranítica que nos conceitos militares não foi guerra ou sequer batalha. Apenas um massacre genocida e dos maiores já promovidos em nosso continente.

Outra tentativa de implantação republicana no Brasil foi a Confederação do Equador. Em 1824, com sede em Pernambuco, este movimento separatista contra o absolutismo de Pedro I pretendia a criação de um estado que compreenderia do Piauí ao Sergipe.  O mentor intelectual foi Frei Caneca, mas suas origens foram a Revolução Pernambucana de 1817 e a Guerra dos Mascates de 1710-1711, confrontos entre reinóis das elites colonialistas portuguesas e os interesses de insurgentes elites de latifundiárias e comerciantes brasileiros.

Em todos esses movimentos a Opinião Pública foi manipulada pelas classes economicamente dominantes e sem ideais de defesa dos interesses populares. Na Confederação do Equador se chegou a levantar a proposição de repetir o exemplo do Haiti que então recentemente se libertara da França através de uma revolta popular, pondo também fim a escravatura. Mas foi uma proposta exclusiva de Paes de Andrade, um dos líderes do movimento, e se tornou motivo para provocar a dissidência de muitos Confederados que passaram a apoiar o Império, contribuindo para sufocar o movimento e demonstrando a correção do alerta para que a Opinião Pública se mantenha atenta as intenções manipulativas das elites, pois os interesses daqueles sempre são meramente econômicos e oportunistas.

Mas embora entre os Inconfidentes de Vila Rica, em 1789, o único de origem popular, Tiradentes, tenha sido utilizado como exemplo para coibir intentos emancipacionistas, o desiderato da Opinião Pública pela liberdade permaneceu se exemplificando mais na coragem do que no sofrimento do mártir. E além desses levantes das classes mais abastadas, muitas foram as revoltas legitimamente populares, como no acontecimento em Salvador, no ano de 1798, conhecido como a Revolta dos Alfaiates. Aquilo foi um movimento popular com propostas trabalhistas, abolicionistas, autonomistas e republicanas, exigindo ainda abertura dos portos, criminalização dos preconceitos raciais, aumentos salariais e redução de impostos.  Um movimento autenticamente progressista.

No período da Regência,, enquanto as elites se embatiam pela vacância do poder abandonado a uma criança de 5 anos de idade, o povo brasileiro foi igualmente abandonado ao despotismo e à miséria e inúmeras manifestações Opinião Pública respondiam violentamente a essa violência. Desde a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul até a Cabanagem na então província do Grão Pará, um levante popular de tapuios, negros e mestiços que em profunda miséria viviam em cabanas ribeirinhas de Belém do Pará. O movimento se extinguiu com um dos maiores massacres já praticado por uma força nacional contra o próprio povo, levando a redução de cerca de 40% da população do Pará.   

No Recôncavo Baiano, em 1822 ,as cidades de São Félix e Cachoeira se levantaram em mobilização republicana liderada por Bernardo Miguel Guanais, mas o principal resultado do que foi chamado de Revolta dos Guanais, foi a Sabinada em 1838. Liderada pelo médico e jornalista Francisco Sabino Vieira, essa outra revolta também proclamou uma República Baiana, mas não obteve a adesão da elite agrária e tampouco apoio das camadas populares, então formadas basicamente por escravos. Após dominarem Salvador por quatro meses, os revoltosos foram vencidos em combates com saldo de cerca de mil vidas perdidas.

Três anos antes ocorrera ali mesmo em Salvador o primeiro levante religioso do Brasil, mas que se constituiu num movimento eminentemente social e abolicionista. Ao protagonizar a Revolta dos Maleses, os escravos islâmicos de Salvador provocaram uma comoção nacional entre os brancos escravagistas. Amedrontados, os senhores brancos, analfabetos e covardes, assustaram-se com a constância de cartas e bilhetes circulando de mão em mão entre seus escravos, todos alfabetizados como manda o Alcorão. E o pior é que nem os curas, os padres, por mais alfabetizados fossem, poderiam desvendar aqueles escritos árabes que, sem dúvida, determinavam ações revolucionárias.

Cidadãos judeus foram convocados como interpretes, inclusive nos tribunais que julgavam e condenavam os escravos aprisionados como revoltosos e subversivos. Mas não foram de nenhuma utilidade porque conforme garantiam, a maioria das correspondências não implicavam em nada mais do que receitas de mezinhas para as tantas doenças e problemas de saúde dos sofridos escravos. O de mais “revolucionário” de seus conteúdos eram algumas rezas e evocações de feitiços para castigar a crueldade dos senhores, num muito compreensível desiderato de justiça. A partir daí a polícia e a justiça baiana passou a perseguir e condenar negros livres ou escravos por feiticeiros, confirmando que a frase espanhola: “Yo no creo en las brujas, pero que hay, hay!” também representava os medos e pavores dos escravocratas baianos.

A última das revoltas de caráter eminente popular e já no início do reinado de Pedro II foi a Revolução Praieira, em Pernambuco. O desiderato que motivou essa revolta foi a eliminação dos abusos de poder dos latifundiários daquele  estado, exemplificadas nesta quadra popular: "Quem viver em Pernambuco / não há de estar enganado/ Tem de saber que, ou há de ser Cavalcanti / ou há de ser cavalgado."

Por volta de 1977 a declaração de um Cavalcanti indicado governador de Pernambuco pela ditadura militar, demonstrou a continuidade naquele estado da mesma situação que motivou a Revolução Praieira entre 1848 e 1850. Naquele  pronunciamento à câmera de uma emissora de TV, o interventor respondeu publicamente aos que o acusavam de repressor: “Claro que sou repressor! Como governador é essa minha função!”

Mas para chegar à ditadura militar e conhecer os fatores que promoveram a primeira efetiva participação da Opinião Pública nos destinos do país, antes é preciso retornar ao Rio Grande do Sul, onde primeiro se riscou os traços que vão desenhar todo o futuro político do país.

*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta. Mora em Florianópolis e é colaborador do “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Pouso Longo”.


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