Pelos chifres do profeta!
* Por
Fernando Yanmar Narciso
Teria havido tantos profetas nos tempos bíblicos se já existissem
psicotrópicos naquela época? Não sou religioso nem acredito em poderes divinos,
mas mesmo eu reconheço que não há maior fonte de histórias de conflitos entre o
bem e o mal, por mais subjetivos que sejam esses conceitos, que a Bíblia
Sagrada. Nunca li uma página do Grande Livro, mas já li livros e vi filmes e
vídeos na internet o bastante para ter um conceito básico de como a coisa
funciona lá. Boa parte dela são banhos de sangue e só sabe mostrar o pior que o
ser humano tem a oferecer. Se o Deus da Bíblia é mesmo esse rei sábio, justo,
amoroso e tem a, digamos, combinação do cofre na palma da mão, Ele não deveria
fazer com que as pessoas incondicionalmente se amassem e respeitassem umas às outras?
Ele não tem poder o bastante para construir e manter a bondade em nossas almas?
Aparentemente, não.
Mas o poder do Grande Livro é inegável, e as suas fábulas já foram
contadas e recontadas ad nauseum por cineastas de Hollywood e afins. O
megalomaníaco diretor Cecil B. Demille foi um deles. Um dos pioneiros da
fábrica de sonhos, Demille rodou em 1923 talvez o primeiro blockbusterreligioso
da história do cinema, Os Dez Mandamentos. Foi gasta uma quantia
faraônica para a época, criando os efeitos especiais do arbusto em chamas, do
pilar de fogo e da partida do Mar Vermelho, e valeu cada centavo. Tanto que,
como seu último espetáculo antes de morrer, Demille resolveu fazer uma versão
superdimensionada, carnavalesca e espetacular de seu próprio filme em 1956. Até
hoje, Os Dez Mandamentos, estrelado por Charlton Heston, Yul Brynner,
Anne Baxter e Edward G. Robinson é considerado por muitos o maior filme bíblico
de todos os tempos.
A história tem início há milhares de anos no Egito, quando o faraó
Ramsés I, ao tomar conhecimento de uma profecia que um primogênito hebreu se
ergueria contra a escravidão na juventude e destruiria seu império, ordena que
cada recém-nascido hebreu seja morto. Nesse cenário, Yochabel (Martha Scott),
mãe hebréia de um recém-nascido, coloca o rebento num cesto e o larga no rio
Nilo para que alguém o encontre e o crie, e, por ironia do destino (ou seria
influência divina?), Bithia (Nina Foch), filha do faraó, é quem o encontra e o
adota, dando-lhe o nome de Moisés.
Os anos passam, o Egito prospera à custa do sangue escravo e Moisés
(Heston, no papel de sua vida) agora é um sábio e verborrágico general que
disputa o trono com o irmão maquiavélico Ramsés II(Brynner, sensacional), sem
dúvida um dos maiores FDPs da história do cinema. Porém, não é apenas poder que
os dois disputam, mas o coração da princesa Nefretiri (Baxter, sem dúvida a
maior inspiração de qualquer vilã de novela mexicana), que é louca por Moisés,
apesar de já estar prometida a Ramsés se o mesmo se tornar faraó. Sarcástica, perversa
e um tanto moderninha, ela é capaz de fazer qualquer coisa para ter o seu amado
e ridicularizar seu futuro marido.
Devido a algumas casualidades, Moisés acaba conhecendo o escravo Josué
(John Derek, um protótipo de pastor evangélico), se dá conta de que os escravos
são tratados como, ââââhn... Como escravos, e começa a lutar por debaixo dos
panos para que eles tenham direito a um pouco de justiça. Ramsés, seguindo um
palpite de Datã (Robinson, espetacular), ambicioso alcagüete hebreu, vê aí uma
oportunidade para ser o único herdeiro do trono e acusa Moisés de estar armando
um complô para libertar os escravos, fazendo com que o faraó Seti (Cedric
Hardwick) passe a desconfiar do filho adotivo. Mais adiante, o general acaba
descobrindo sua verdadeira origem por intermédio de Nefretiri e decide se
infiltrar entre os escravos, para sentir na pele o mesmo que sentem seus
conterrâneos. Ao descobrir isso, o faraó dá a ele ordem de prisão, e ele acaba
sendo encarcerado na mesma cela que Josué, que estava sendo açoitado por um
guarda. Ele mata o feitor e ajuda Josué a fugir, mas é capturado por Ramsés,
que o bane do país, forçando-o a vagar pelo deserto para sempre. À beira da
morte, é salvo por beduínos e passa a viver anonimamente como pastor de
ovelhas.
Quisera seu destino que Josué o resgatasse de sua vidinha pacata e o
redirecionasse para a missão que lhe fora incumbida por Deus: Voltar ao Egito
como Seu porta-voz, um profeta esquizofrênico e ameaçador, e obrigar Ramsés a
libertar todos os hebreus, sob pena de castigar o povo egípcio com toda sorte
de pestes se não o fizer. Falando nisso, se Deus é tão poderoso, por que então
ele precisa de tantos porta-vozes? Se alguém assim quer que uma coisa seja
feita, Ele mesmo pode fazer. Quem seria imbecil de contestar Sua vontade? Se
ele quer libertar o “seu povo”, basta fazer um raio matar Ramsés e estamos
conversados!
Por melhor que seja a história, as pessoas que viram o filme só se
lembram dos cenários maravilhosos e dos efeitos especiais do pilar de fogo e da
divisão do mar. A mesma diversão escapista proporcionada pelos filmes de
super-herói de hoje. Mesmo numa tela pequena, os detalhes de cada cena são de
encher os olhos. Demille fez questão de construir cada cenário em escala real.
Mas, tirando os sete personagens principais, a canastrice impera no resto do
elenco- Como se as pessoas fossem se importar com a atuação diante de tamanha
opulência.
Assim como a clássica imagem de Cristo loiro, alto, cabeludo e de olhos
azuis criada pelos renascentistas, inspirada pelas estátuas dos deuses gregos,
Heston foi escolhido para o papel de Moisés porque ele tinha uma incrível
semelhança com a estátua do profeta, esculpida por Michelangelo. Se figuras
como ele e Cristo de fato existiram, teriam sido mais parecidos com Raul Seixas
que com Hércules. Dizem que Moisés sequer era hábil com as palavras como o
personagem criado por Heston. Mas um americano que se preze jamais torceria por
um profeta franzino, gago e ditatorial, logo os autores trataram de fazer
Moisés o mais próximo possível do John Wayne. Marketing messiânico...
Um tremendo dilema. Os hebreus estariam mais bem-servidos morrendo
jovens no trabalho forçado e no açoite, ou atravessando o deserto a pé por 40
anos rumo a um lugar inexistente, sob o cajado do“heróico” Moisés? Pelo menos,
enquanto escravos, eles tinham alguma certeza. Não era boa, mas tinham.
PS.: Para o caso de alguns terem se sentido ofendidos pelo título ou pelo artigo em si, é fato conhecido que, devido a um erro na tradução da bíblia anciã, Michelangelo confundiu a auréola de Moisés com chifres.
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Adorei, e embora dramático, dei boas risadas.
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