Arquétipos que
fundamentam especulações
O homem, a partir do
momento em que descobriu que podia pensar e, por conseqüência, questionar o quê e quem era, onde estava, o que o cercava
e as coisas que lhe davam prazer, de um lado, e as que lhe causavam dor e até
punham em risco a sobrevivência, do outro, sentiu premente necessidade de
expressar, de alguma forma inteligível aos que o rodeavam, experiências,
pensamentos, sentimentos, desejos e perplexidades face ao que via, ouvia,
aspirava e sentia. Criou, para comunicar tudo isso, a princípio, um conjunto de
gestos que, de tanto serem repetidos, se tornaram a primeira forma coerente de
comunicação.
Para o psicanalista
suíço Carl Gustav Jung, a compreensão da criação de símbolos é crucial para o
entendimento da natureza humana. E como é! Todas as conquistas da inteligência têm,
como fundamento, vasta simbologia. Os
gestos foram os primeiros símbolos do homem primitivo. Todavia, gesticular não
lhe era suficiente. Nem sempre os gestos eram interpretados e entendidos como
nosso ancestral pretendia. E qual a melhor forma para aperfeiçoar a
comunicação? Nosso anônimo personagem não tardou em perceber que os sons
emitidos por suas cordas vocálicas tinham grande variedade. Percebeu que
poderia repetir cada um deles quando (e quantas vezes), quisesse. O que fez? Estabeleceu
um conjunto de símbolos sonoros, baseados naquela variedade de ruídos que constatou
que podia emitir. Tais sons correspondiam, por exemplo, a tal objeto, idéia ou
desejo, tais outros a outros tantos e assim por diante. Dessa forma, nasceu a
linguagem falada, origem de todos os idiomas que viriam na sequência, seguindo
sempre o mesmo procedimento.
O processo, ressalte-se,
não se deu de supetão, num piscar de olhos, da noite para o dia, como se fosse
súbita inspiração. Longe disso. Demandou tempo imenso, provavelmente décadas
ou, quem sabe, até séculos ou mais. O novo conhecimento, a “revolucionária”
habilidade passou de geração a geração, recebendo, sempre, aperfeiçoamentos,
acréscimos e supressões, de acordo com as necessidades e os costumes.
E como eu sei isso, se
(óbvio) não estava presente no memento da criação dessa forma ímpar e
inteligente de se comunicar do único animal com capacidade de raciocínio de
toda a natureza? Não sei! Especulo! Coloco-me no lugar daquele meu remotíssimo
ancestral e tento pensar como agiria se estivesse, nas mesmas circunstâncias,
em seu lugar. Prova de que as coisas ocorreram exatamente dessa forma não tenho
nenhuma e nem poderia ter. Ninguém tem. Elas não existem. Em contrapartida, no
entanto, ninguém tem como provar que as coisas não se deram da forma que
relatei. Há, e nenhum contestador contumaz pode negar com base na lógica, certo
fundo de verossimilhança em minha especulação. Se as coisas não aconteceram assim,
bem que poderiam ter acontecido.
Ademais, de certa maneira, “eu estava lá”. Todos os mais
de sete bilhões de habitantes atuais do Planeta (além dos bilhões que viveram e
já morreram) estavam. Absurdo? Nem tanto. Raciocinemos. Se aqueles remotíssimos
e primitivos ancestrais não tivessem existido, nenhum de nós, mas nenhum mesmo,
existiria e não estaria aqui, agindo, pensando, especulando e vivendo. Trata-se
de lógica incontestável. Somos todos, sem exceção, seus descendentes. Embora “diluídos”
em decorrência dos vários cruzamentos ocorridos ao longo das eras, temos seus
genes incorporados à nossa estrutura. Descendemos deles. Ou não?!
Só não se sabe se o
homem de todos os tempos originou-se de um único casal, como é apregoado por
várias religiões, ou se de diversos. Podemos, porém, também especular a
propósito. Mesmo que essa especulação não tenha utilidade prática (e não tem
mesmo), não deixa de ser excelente exercício para o raciocínio. Afinal, os
neurônios também têm que ser exercitados, a exemplo dos músculos, e talvez até
mais do que estes. Digamos que se trate de uma “provocação” surreal. Mas que
tem fundo rigorosamente lógico, isso é inegável.
O psicanalista Carl
Gustav Jung lançou uma pitoresca teoria que talvez (provavelmente?) explique a
possibilidade, pelo menos potencial, de especularmos com lógica a propósito de
acontecimentos ocorridos em período tão remoto (tanto que não se pode
determinar, nem aproximadamente, quando foi). E para tanto, não precisamos de
comprovações (que além de tudo não existem). Para esse ilustre discípulo de
Sigmund Freud (com o qual viria a romper relações um dia), há uma espécie de
imagem apriorística incrustada no inconsciente coletivo da humanidade
projetando-se em diversos aspectos da vida humana como sonhos e narrativas. Denominou
isso de “arquétipos”.
O psicanalista explicou que
"no concernente aos conteúdos do inconsciente coletivo, estamos tratando
de tipos arcaicos, ou melhor, primordiais, isto é, de imagens universais
que existiram desde os tempos mais remotos". Jung deduz que os arquétipos
se originam de constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas
gerações. São as tendências estruturantes e invisíveis dos símbolos. Por serem
anteriores e mais abrangentes que a consciência do ego, criam imagens ou visões
que balanceiam alguns aspectos da atitude consciente do sujeito. Funcionam como
centros autônomos que tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a
elaboração dessas mesmas experiências. Eles se encontram entrelaçados na
psique, sendo praticamente impossível isolá-los, bem como a seus sentidos. Porém,
apesar desta mistura, cada arquétipo constitui uma unidade que pode ser
apreendida intuitivamente.
É importante
ressaltar, todavia, que eles não possuem formas fixas ou pré-definidas. De
acordo com Jung, “nenhum arquétipo pode ser reduzido
a uma simples fórmula. Trata-se de um recipiente que nunca podemos esvaziar,
nem encher. Ele existe em si apenas potencialmente e quando toma forma em
alguma matéria, já não é mais o que era antes. Persiste através dos milênios e
sempre exige novas interpretações. Os arquétipos são os elementos inabaláveis
do inconsciente, mas mudam constantemente de forma”. Como se vê, minha
especulação não é tão maluca e inconsistente, como possa parecer á primeira
vista aos desavisados. Tem fundamentos rigorosamente lógicos e, por isso,
sólidos. Ou não têm?
Boa leitura.
O Editor.
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Complexo, e atiça interesse e curiosidade. Lembrei-me de um caso que vou tentar contar. Macacos foram criados numa jaula. No meio dela havia uma escada e sobre a escada era colocado um cacho de bananas. Os macacos habituaram-se a comer bananas. Um dia o cientista começou a dar choques elétricos no macaco que comesse banana. Depois passou a dar choques no que tentasse comer e também nos outros que olhavam. Os macacos passaram a bater nos teimosos, antes do choque. Com os anos pouco a pouco essa comunidade de macacos foi substituída por outra. Ainda restavam macacos da experiência anterior, que não deixavam os novatos subir na escada, e para convencê-los, batiam nele. Ainda assim, continuavam a querer as bananas. Chegou um tempo em que não havia nenhum macaco que havia passado pela experiência dos choques, nem das surras, mas a comunidade, mesmo com vontade, não subia na escada e nem comia as bananas. Isso seria um arquétipo?
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