quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Temporada de caça

* Por Fernando Yanmar Narciso

Não dá para entender porque só na última década o planeta começou a ver o bullying como um problema sério, ele sempre esteve presente em nossas vidas. Talvez só tenha havido esse boom midiático sobre o tema porque o que parecia uma simples brincadeira passou a ter um viés de psicopatia nos últimos anos. Onde tiver alguém fora do estereótipo de “normalidade”, haverá um “normal” para trolar, humilhar, escarnecer, desestabilizar e levar um coitado ao limite. E algumas vítimas realmente atingem o limite, dando o troco em seus algozes de maneira mais cruel do que o ditadorzinho nunca seria capaz de conceber. Afinal, para eles “é só brincadeirinha”.

Qualquer minoria é tratada por eles como tal. Você usa roupas coloridas demais? Viadinho! Seu nariz é muito grande? Baioneta! Usa aparelho nos dentes? Boca de ferrovia! Seu corpo se desenvolveu mais rápido que o resto das meninas da classe? Piranhete! Tem 10 anos e pesa o equivalente a dois colegas e meio da sua idade? Baleia assassina! Isso para não citar apelidos piores. Enquanto permanecem só os ataques verbais, tudo bem, é possível que você sobreviva a isso na vida adulta. Mas quando a sacanagem passa dos limites, não param de te mandar para o pronto-socorro, te perseguem até nas redes sociais e você passa a ver qualquer dia como o pior dia de sua vida... Bom, a brincadeira já perdeu a graça há décadas!

Às vezes, a culpa da existência do bully é do próprio ambiente familiar. Nenhum pai quer que façam o filho de bobo e de saco de pancada, quer que ele cresça capaz de se defender e que seja um jogador de futebol no seu time de coração, mas e quando o pai é um bicho tão tosco e truculento quanto um jegue, provavelmente dando continuidade à xucreza do pai dele? Se ele maltrata a família inteira, bate na mulher e nos filhos, o mais certo de acontecer é a)que o catarrento cresça se espelhando na figura paterna ou b) que o catarrento seja o extremo oposto do pai quando crescer. Infelizmente, a primeira opção é a que mais angaria praticantes.

Claro que toda moeda tem dois lados. Admitamos, o que seria da maioria das competições esportivas sem o bullying? Especialmente no futebol: Qualquer tipo de drible tem um fundo de humilhação psicológica, como se o jogador estivesse te chamando de otário por 90 minutos. Quando a bola caía no pé do inesquecível Garrincha, todo o time adversário sabia que alguém ia voltar pra casa sacaneado, depois de correr em círculos atrás dele feito uma barata sem antenas. Para alguns esportistas não basta saber que é o melhor, também precisa que o adversário sinta na pele como o esporte pode ser ruim. Sorte que Mané não tinha uma alma maligna.

Não há terreno mais fértil para o bullying que os esportes praticados nos Estados Unidos, quase todos violentos e sangrentos. Para eles, se não tiver porrada, alguém saindo do campo numa ambulância e uma tirada sarcástica, não é esporte. Pelo menos é o que as comédias esportivas nos ensinam.

Por mais estranho que possa soar, se não fosse pelo bullying, nem eu nem muitos escritores por aí seriam escritores! Passei por poucas e boas em meus tempos de escola... Quando criança eu tinha a cabeça chata, herdada do meu lado paterno. Era muito magro, fraquinho, ingênuo e, principalmente, irrequieto, ou “malino”, como dizem por aqui. Fui uma das primeiras pessoas da cidade diagnosticadas com TDAH, ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Como ninguém sabia ao certo o que isso quer dizer, tampouco se importava em saber, fui eternizado como o doente mental da classe, epilético, surtado, E.T, testa de afiar machado, martelo de bife, o... Melhor parar por aqui. E quando punham a mãe no meio, então, era melhor trazer a jaula.

Dos 4 aos 16 anos, fui o alvo preferencial e mais disponível de cada classe em que estudei. Vivia com medo, saía de casa pensando qual seria a nova brincadeira sádica que fariam comigo, na educação física sempre me tiravam para “peruzinho”. O resultado disso é que eu não tenho absolutamente nenhum amigo, tenho medo até de minha sombra e passo a maior parte do tempo dentro de casa, enquanto vejo meus algozes desfilando por aí bem sucedidos, casados e com filhos. Mundo injusto...

Meu único consolo foi que, pelo menos uma vez, consegui calar a boca de um deles. Numa aula de História, com a sala quase vazia, um deles implicou tanto comigo que eu explodi: Na frente da professora, levantei da carteira e tasquei três tapões bem dados nas costas dele. As meninas da sala ficaram apavoradas. OK que depois de tal ato de bravura ele quebrou meu nariz e nós dois fomos pra detenção, mas depois daquele dia ele nunca mais me trolou. Ao combater fogo com fogo, o mundo sempre acaba em cinzas.

*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

Um comentário:

  1. Fernando,
    Eu sabia que era assim, mas não sabia que chegava a tanto. Pobre criança! Ficou bacana sua verbalização. Colocar para fora é terapêutico. Fique forte para que nunca mais façam isso com você.

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