* Por Leonardo Dantas Silva
A decisão de incluir o frevo na lista do patrimônio imaterial da humanidade, anunciada na 7ª sessão do comitê intergovernamental de proteção desta área da UNESCO (braço da ONU para educação, ciência e cultura), formado por 24 países, me fez recordar Nelson Ferreira que, se vivo fosse, estaria completando 110 anos neste domingo.
Em entrevista publicada na Revista Contraponto nº 4, ano de 1947, ele dissertando sobre o futuro do frevo pernambucano vaticinara:
"Digo-lhe que o frevo deve tornar-se conhecido, como a rumba, a conga, o swing; danças tão doidas quanto a nossa. E olhe que isso não está longe. O samba já apareceu. Quando o frevo entrar no cinema americano, veremos o furor que provocará. Questão de oportunidade. . . Não está vendo Tico-tico no fubá? Era uma música que se vendeu como outra qualquer, de Zequinha de Abreu, em 1928. Eu mesmo a vendi muito, na Casa Dantas Bastos. Esqueceram-na. Bastou, porém, que o americano a pegasse para dar milhares de cruzeiros aos herdeiros do autor. Tome nota: o frevo matará a conga, a rumba e o swing, quando aparecer, um dia, num tecnicolor norte-americano".
Nesses dias em que se comemora a ascensão do Frevo como Patrimônio Imaterial da Humanidade, o nome de Nelson Ferreira me vem à lembrança, com seus braços para o alto a reger a tradicional orquestra de ritmos carnavalescos, presente nas saudades de tantos carnavais.
Este mesmo Nélson Ferreira, porém, naqueles idos de 1947 se confessava incapaz de compor um frevo-de-rua?
Por certo o leitor vai pensar que eu estou brincando, mas trata-se de pura verdade.
Naquele mês de março de 1947, quando já era Nelson um compositor consagrado e conhecido em todo o Brasil, se confessava incapaz de compor um frevo de rua (Contraponto nº 4/1947):
"Não me considero um compositor de frevo, do chamado frevo-de-rua, porque este tem certas particularidades que constituem um verdadeiro segredo; um segredo vedado a muitos, mesmo aos de olho mais vivo. .
Não se trata de segredo na parte puramente melódica, mas, na orquestração, isto é, na maneira de trabalhar com os metais e as palhetas. Eu nunca fui músico de banda. Ao contrário, sempre trabalhei com jazz e o frevo na jazz band não tem o mesmo valor do frevo na fanfarra, com suas requintas (sic), seus dois ou três pistons, seus dez ou doze trombones. A verdade é que o frevo fica muito pobre na jazz band. Daí, a razão de eu não me poder dedicar a fundo a esse gênero.
É verdade que já escrevi um frevo [instrumental], que teve geral aceitação: TSAP no frevo [1943]. Mas, isso foi por acaso. Precisavam completar uma face do disco, com o meu “O passo do caroá” e eu escrevi o frevo[instrumental]. Agradou, sim, mas, não era o meu gênero".
O tempo veio comprovar que, este mesmo Nélson Ferreira, estava enganado... Ele mesmo viria sacudir os salões e ruas do Recife, a partir do ano de 1949, quando do aparecimento do antológico frevo de rua de sua autoria, intitulado Gostosão, logo seguido de Gostosinho e Gostosura...
No Carnaval de 1953, quando da inauguração da Fábrica de Discos Rozenblit ele se consagrara com o frevo Como e dorme (Mocambo nº 15000/1952), logo transformado em hino da torcida do Clube Náutico Capibaribe. O mesmo acontecendo em 1955, quando compôs o Casá! Casá!; dedicado a torcida do Sport Club do Recife...
Dois dos mais importantes hinos de clubes de futebol do Recife, quando ele sempre fora torcedor do Santa Cruz...
Este mesmo Nélson Ferreira, nascido em nove de dezembro de 1902 e falecido em 21 de dezembro de 1976, veio a ser autor dos mais belos frevos instrumentais do nosso Carnaval: Gostosão (1949), Gostosinho (1950), Vem frevendo (1951), Como e dorme (1952), Isquenta muié (1954), Carro-chefe (1958), Qual é o tom (1958), Porta-bandeira (1959), Casá! Casá! (1955), Frevo no bairro de São José (1960), Frevo no bairro do Recife (1961), Quarta-feira ingrata (1964), dentre muitos outros.
A sua marca registrada encontra-se presente nas gravações de alguns dos seus mais importantes frevos instrumentais. Ao contrário dos frevos de rua, de autoria de outros compositores, algumas das produções de Nelson são precedidas por uma cadenciada percussão; tão característica da abertura dos grandes bailes carnavalescos e nas saídas dos clubes e troças do nosso carnaval de rua.
A cadência do tarol, a marcação do surdo, o retinir dos pratos e o balanço do pandeiro, contagiando e prendendo a atenção do ouvinte na curta espera dos acordes de um frevo rasgado.
Estava ali a presença do grande regente do nosso Carnaval: Nélson Ferreira (1902-1976), de corpo inteiro à frente de sua orquestra, abrindo o baile com Vem frevendo; frevo-de-rua gravado pela Rozenblit (LP 60041/1973) no disco que leva o título Meio século de frevo de rua.
A orquestra uníssona, com seus metais e palhetas, em sincronismo único, vêm despertar a alma do folião adormecido em cada um de nós. Basta fechar os olhos para vislumbrarmos a multidão de passistas endiabrados, registrando-se aqui e ali dezenas de chapéus-de-sol, tendo ao centro, como que flutuando sobre as cabeças, o rico estandarte bordado com fios de ouro...
Tudo a lembrar Nelson Ferreira, figura marcante do Carnaval de Pernambuco de todos os tempos...
• Jornalista e escritor do Recife/PE
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