* Por Mara Narciso
São 7h40min da manhã. As lojas de uma grande rede de farmácias já abriram as suas portas. Uma compradora chega numa filial para comprar antibiótico e traz a receita na mão. A direita da pequena farmácia há uma moça no caixa e detrás do balcão há um homem uniformizado. Ao lado dele, sobre o balcão, há um umidificador de ambientes. A mulher chega, o cumprimenta num contido bom dia e entrega o papel. O homem, com desdém, aponta o queixo para uma funcionária, que estava escondida pela pilastra. A atendente providencia a medicação, porém a mulher reparou na arrogância do não tão jovem gerente.
Aquela conversa de igualdade precisa deixar de ser uma frase bonita dentro da Constituição. Cada um é diferente, especialmente os muito iguais, tratados como massa ignara. Não é preciso subir ao pódio para se sentir o maior. Basta subir num tijolo, para o indivíduo arrotar suas importâncias. Algumas vezes a subida é meramente fantasiosa.
A má vontade, impaciência e rispidez com o próximo, além da insolência em vários níveis são marca registrada da sociedade atual. Que cada um faça seu exame de consciência e se lembre de quantas vezes menosprezou alguém, que, no seu julgamento valia pouco. E este desprezado, que aguente o preconceito, as brincadeiras de mau-gosto, maior espera, e humilhações.
A sociedade está escalonada extra-oficialmente em castas. Há os que podem tudo e os outros aos quais nada é permitido, a não ser esperar interminavelmente. A hierarquia nas instituições é necessária, por uma questão de ordem. O mais graduado ou mais velho falar primeiro, seguido pelos demais, é manifestação de civilidade. Não é possível todos mandarem, mas é preciso que todos se respeitem. Quem detém o poder não deve se aproveitar disso para tripudiar sobre os subalternos. Obediência não é subserviência. Algum grau de altivez humana é bem-vindo. Não é preciso falar na morte, que nos iguala inexoravelmente, mas é bom pensar na vida que queremos ter, com liberdade e sem medos.
Não somos tão bonzinhos a ponto de discursar que nos sentimos todos iguais, com a plena convicção interior dessa verdade. Além de levianamente nos sentirmos melhores do que os outros ainda faremos um discurso cínico? Na primeira oportunidade, tiramos a nossa carteira de superiores e bradamos: sabe com quem você está falando? Mesmo que não sejamos nada, haverá alguém mais fraco, contra o qual podemos nos vangloriar. E dirão: vida é um jogo. Não, não é.
Jesus Cristo pregou a humildade, mas quantas vezes somos humildes? Ah, essa maldita vaidade que possuímos em tantas graduações. É preciso buscar a nossa verdade, para nos amarmos, nos valorizarmos, nos respeitarmos, à medida que fazemos o mesmo com o nosso semelhante. Mas o que vemos são jovens passando por cima de velhos; fortes derrubando fracos; adultos subjugando crianças; brancos se considerando mais merecedores que os negros; evangélicos se arvorando de donos do paraíso; católicos dizendo que os evangélicos são fanáticos; graduados vencendo os sem graduação; os que sabem desprezando aqueles que desconhecem; os que têm, humilhando os que não possuem; os mestres, doutores, e os de alta patente subindo por sobre os não titulados, e os espertos simplesmente enganando a muitos. A permanente disputa não traz a paz que buscamos, mas pessoas ultrajadas.
Os mais malvados não hesitam em esnobar e até humilhar os que, na escala social e econômica estão, aparentemente num nível inferior. A lista de importâncias não termina, pois o prepotente encontrará algo que o faça sentir-se poderoso, e daí, merecedor de honras e vantagens. Não quer enfrentar filas e nem consultórios cheios. E diz: o meu tempo é precioso. Preciso ser atendido antes, porque sou bonito.
Deve ser devido à vasta distribuição de títulos honoríficos que as pessoas pequenas de hoje correm tanto, precisam ter tanto, e sair por aí se vestindo com suas patentes. Mesmo quem não tem muito, busca ostentar algum luxo, mansões e carros, para comprar respeito. A marca da roupa e especialmente o preço são tudo. E dizem: eu sou o máximo porque estou levando comigo uma bolsa da marca X, que custou tantos mil reais. Meu carro é importado, minha casa tem tantos metros quadrados, então eu não espero, sou reverenciado, destrato a todos, chego depois e no grito, resolvo tudo na hora. Pago e tenho o melhor lugar de imediato. Desrespeito, atropelo e falem baixo comigo, curvem a coluna e joguem o tapete vermelho. E no embrulho estendam a mão para pegar as migalhas que vou deixando pelo caminho. Assim eu sou e assim deverá ser o meu séquito.
A vaidade humana, invariavelmente, acaba com as boas intenções.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/
Humildade a mais nunca é demais. Um texto pleno de lucidez e bom senso, Mara. Um grande abraço e parabéns!
ResponderExcluirAs pessoas passam umas sobre as outras sem nenhum pudor. Quem nunca fez isso? Agradeço a presença e comentário.
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