quarta-feira, 30 de junho de 2010




Você vale algo?

* Por Patrick Raymundo de Moraes

Ele estava parado em um quarto quase vazio. Uma janela quebrada deixava entrar o vento e a chuva de uma noite infestada de gritos e inquietação. Ele estava inquieto. Um quarto barato, de um cortiço barato. Ele estava sentado em uma cadeira velha e barata. Ele estava rodeado de coisas baratas e baratas. Na mão, ele decidia se a vida era barata, ou se ela valia algo. Ela valia algo?

— Você vale algo? — ele pergunta para a moça deitada no chão, enquanto ela sangra, semiconsciente. Ela foi infeliz nesta noite. Um lance do destino. Era fim de turno no restaurante chinês, ela poderia ter ido embora para casa, mas resolveu atender uma última ligação. Ele pedira um “pato a shangai”. Ela queria mostrar serviço e responsabilidade. Ela queria valer algo aos olhos do chefe.

Além de anotar o pedido, ela se fez de entregadora. O motoqueiro que faz as entregas já havia ido embora. Um caso atípico de comportamento. Em uma cidade grande, o endereço não significa muita coisa. Pode-se ter um prédio luxuoso ao lado de um cortiço, por isso ela não prestou atenção ao endereço. Ela chegou de lambreta. Ela comprou há dois meses a pequena condução e estava feliz por causa de seu primeiro bem adquirido. Temeu ao olhar o prédio velho. Não podia voltar atrás.

Achou o apartamento. O homem parecia tranqüilo e pediu para ela entrar. Ela disse que não. Uma jovem pequena, cabelos longos, lisos e pretos. A jovem chinesa entregou o pedido. Para seu susto, o homem a agarrou pelo pulso e a puxou para dentro. Ela sacou de um pequeno estilete que estava no bolso da calça. Não teve tempo de usar. Ele usou a coronha da arma para nocautear a pequena. Com ela desmaiada, ele sentou-se na mesa e começou a comer o pato a shangai.

— Você vale algo? — a pergunta repetida faz com que a moça recobre os sentidos e volte ao presente. Ela não estava amarrada. Ele tinha deixado o dinheiro do pedido no chão, ao lado dela. Ela estava assustada.
— Sim, todos valemos algo! — ela diz com uma bravura em voz que não consegue refletir no coração. Ele a olha com profunda tristeza.

— O que você vale? — ele pergunta. No braço direito há uma Eagle semi-automática de uso do exército. Ele a engatilha e trava. Ela pensa, enquanto ele a observa.

— Eu vali sete meses de gravidez de minha mãe e dois meses de oração de minha família. Fui precoce e tive problemas de saúde. Quando fui atropelada, enquanto andava de bicicleta, eu vali as lágrimas de minha mãe e o tremor das mãos de meu falecido pai. Eu vali o desejo do primeiro beijo de meu namorado. Eu tenho o valor das preocupações deles e do amor que eles carregam por mim. — ela diz com as lágrimas nos olhos que escorriam. “Como?” Ela pensa, sem saber como surgiram essas palavras.

— Você vai me matar? — ela pergunta de forma tímida e medrosa.

— O quanto você vale para você? — ele volta a perguntar.

Ela fica muda por um instante. Ele levanta da cadeira e pega um copo de café. De súbito, aconteceu de novo.

— Eu poderia dizer que me meço pelo valor que os outros dão à mim! Mas isso é errado! O meu valor é que sou um indivíduo único e eu aprendi a me amar. O meu valor é o valor do amor que eu tenho por mim mesmo.

Novamente, ela não sabe da onde tais palavras saem. Elas saem de seu interior, com entusiasmo e força que ela nunca demonstrou antes. A força de um “eu” que ela não sabia que existia até então.

— Qual o meu valor? — ele aponta a arma para ela. Essa é a pergunta decisiva! Um erro seria a morte! Ela olha ao lado, procurando por inspiração que parece não vir. Repentinamente, um tiro. Um raio corta o céu de uma cidade turbulenta. Gritos ecoam por toda a parte. Animais vasculham o lixo e o lixo se confunde com pessoas. A chuva parece não cessar.

— Eu não vou errar o próximo tiro! — ele diz. Ela não teve tempo de gritar. O tiro atravessou a parede ao lado da cabeça. — Qual o meu valor? É tão difícil responder?

— É lógico que é, seu maníaco! — ela grita! — Eu não te conheço!

Ele aponta a arma para a cabeça dela. Puxa o gatilho. A misteriosa força de vontade voltou com rapidez e dominou a garota novamente.

— Valor? Não sou eu quem vai te dar um valor! O valor é o que você sente por si mesmo. No momento está baixo! Daria para passar debaixo da porta!

Ele tenta atirar contra ela, mas a arma engasga.

— A arma engasgou? Tenta entender que não é gerando expectativas, mas aceitando quem você é, é que vão fazer com que as coisas melhorem! — ela tenta continuar falando, mas ele avança contra ela. Ela se encolhe no canto, colocando as mãos na frente do rosto, esperando o impacto do soco, entretanto, o impacto não acontece.
Ela abre os olhos e vê, com a ajuda de um raio, seu falecido pai a segurar o agressor pelo peito. O agressor não consegue se mover. A imagem rapidamente some. Ela chora.
— Você vale a preocupação de meu pai que desceu só para isso! Que está te impedindo de mover! Você vale a batida de seu coração! Você vale muito e se a vida não está sendo como você queria, siga as palavras que estão no Hagakure: “enxergar o mundo como se fosse um sonho é um bom ponto de vista. Quando tem um pesadelo, você acorda e diz a si mesmo que era apenas um sonho. Dizem que o mundo em que vivemos não é muito diferente disso”. Amanhã, eu vou acordar e dizer que o dia de hoje foi apenas um pesadelo. Faça o mesmo e recomece!

A garota imediatamente pega o dinheiro do pedido e se lança para fora do quarto. O rapaz chora e se põe de joelhos. A arma se desfaz e ele consegue enxergar, através de outro raio, a figura de um ser paterno que protegeu a filha e que, agora, o sorri e lhe diz ao coração: “A vida está diante de ti, como a morte. Viva e sonhe novamente!”A garota, no dia seguinte, agradece aos seus ancestrais pela proteção e pelo amor.

(Publicado na antologia “Palavras que falam”, Editora Scorcesi)

• Colaborador do Literário

Um comentário:

  1. Valores? Como nos definir?
    Nos preocupamos tanto com o outro
    que nos permitimos ao uso do "molde".
    É tão mais fácil seguir sendo você mesmo
    acertando, errando, mas tentando...
    Seu texto trouxe um questionamento que
    muitas vezes abafamos, por comodismo.
    Muito bom!
    Abração

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