segunda-feira, 21 de junho de 2010


O meu ano de ouro

Caríssimos leitores, boa tarde.
O ano de 1958 foi um dos melhores da minha vida. Aliás, retifico. Ouso afirmar que foi, mesmo, o melhor que já tive até aqui. Caso houvesse outro que lhe fosse superior, certamente eu lembraria. Mas não me lembro de nenhum. Houve “parecidos”, mas não iguais e muito menos melhores.
Eu estava, então, na flor dos meus quinze anos e meio. Sentia-me um super-homem, invencível e invulnerável, que tudo podia e que era imortal. Nunca mais experimentei, nem de leve, aquela deliciosa sensação. Contava com saúde perfeita – embora, nesse aspecto, até hoje, não tenha do que reclamar – e uma energia, uma disposição e um vigor impressionantes.
Era um privilegiado, sem dúvida. Graças a uma bolsa de estudos, financiada pelo Jockey Clube de São Paulo, tinha a oportu8nidade de estudar em um dos melhores colégios internos do País, situado em um então vilarejo, que se chamava Jacuba, e que hoje vem a ser o município de Hortolândia, na região de Campinas, com uma população em torno de 150 mil habitantes.
Só mesmo estabelecimentos com disciplina rígida, como aquele, poderiam canalizar tanta energia em sentido positivo. Pelo menos era o que os meus pais pensavam. Hoje, até que lhes dou razão e lhes agradeço por isso. Mas na época...
A Copa do Mundo de 1958 (e este é o meu assunto, apesar de tão estranho preâmbulo), seria disputada, consecutivamente, na Europa, na Escandinávia, mais especificamente na rica e ultracivilizada Suécia. Tive que ser bastante inventivo, ousado e astuto, e ainda por cima, contar com a sorte, para acompanhar esse mundial pelo rádio.
Ocorre que esse tipo de aparelho, então tão comum nos lares brasileiros, era expressamente proibido no colégio (e televisão, muito mais). O ambiente era propício apenas, e tão somente, a estudar, estudar e estudar. E era o que eu melhor fazia. Sempre tive insaciável curiosidade e imensa sede de saber e nessa época ela era mil vezes (ou mais) maior do que hoje.
Havia um estímulo à competição entre os alunos pelas melhores notas. Quem conseguisse essa primazia, em cada mês, teria seu nome exibido com o máximo destaque e pompa no mural que havia no prédio central, bem no hall, no local de maior visibilidade aos que se dirigissem às respectivas salas de aula, quer do pavimento inferior, quer do segundo andar. Além do que, o líder de cada mês recebia um prêmio, em geral um bom livro, e o campeão do ano ganhava coisas até mais valiosas.
Em 1958, liderei esse ranking do início ao fim do ano. Apenas em um mês, se não me falha a memória em setembro, não fiquei com média máxima, a dez claro, e ainda assim não despenquei de colocação na classificação geral, sequer para o segundo posto. Fechei as doze matérias do currículo com 9,8 de média, enquanto meu mais direto perseguidor obteve 9,7. Dessa vez, foi puríssima sorte minha.
Esse sucesso nos estudos conferia status no colégio, além de encher meus pais de orgulho. Fora 1958, não liderei mais o ranking em ano nenhum, até 1960, quando me formei. Passados 52 anos, encontrei uma explicação plausível para esse sucesso. Pela primeira vez (mas não, evidentemente, pela última) eu estava amando. Queria porque queria impressionar minha musa, ostentar o máximo de méritos e de êxitos aos olhos da amada. E esta, ao que parece, se orgulhava de mim.
A Copa do Mundo, todavia, quase estraga tudo. Daí lembrar-me com tanta nitidez da empolgação que ela despertou, e não somente pelo fato do Brasil ter “perdido a virgindade” em termos de títulos. Cismei que haveria de acompanhar aquele mundial de qualquer maneira, à revelia das regras disciplinares da escola. Como? Dirigindo-me a Jacuba, mesmo sem autorização superior.
Para tanto, teria que contar com a sorte. Caso minhas escapadas fossem descobertas (e teriam que ser cinco), poderiam resultar, até, em minha expulsão do colégio. O que meus pais iriam dizer caso isso acontecesse? Não ouso nem pensar!
O único jogo cuja transmissão radiofônica pude ouvir com calma e em segurança, sem precisar me preocupar com nada e ninguém, foi contra a Suécia, na final. E por que? Porque quando essa partida foi disputada, eu estava de férias E, ao contrário do que havia ocorrido em 1954, estas eu passei em minha casa, em São Caetano do Sul.
A única coisa que me incomodava, nessa ocasião, era a insuportável saudade da amada. Mas esta seria para lá de compensada em agosto, quando do reinício das aulas. Os jogos da Copa de 1958 coincidiram (à exceção da final, como expliquei) com o período de exame3s do meio do ano. Tive que me desdobrar nos estudos, varando madru8gadas a fio em cima dos livros, para manter a média dez e ainda assim acompanhar a performance da Seleção Canarinho nos gramados suecos.
Por puro “milagre”, consegui as duas coisas e sem ser flagrado por ninguém em minhas furtivas escapadas. E, de quebra, já em minha casa, de férias, pude gritar, junto com todo um País, “é campeão!!!”, pela primeira vez. Fato, aliás, que se repetiria por outras quatro oportunidades, posto que em locais e em circunstâncias muito diversas. Mas nenhuma foi tão emocionante e mágica quanto a da Copa de 1958. Afinal, da primeira vez a gente nunca se esquece, tanto no futebol, quanto no amor. E eu estava amando...

Boa leitura.

O Editor.

3 comentários:

  1. Gostaria de saber o motivo pelo qual os
    colégios que mais cobram disciplina são
    aqueles onde mais aprontamos.
    Você está nos passando os seus anos dourados Pedro e é uma delícia te acompanhar.
    Beijos

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  2. Sobre a virgindade de títulos ficou sugerido um ato falho. Dessa copa só me lembro da capa de um LP que tinha na minha casa onde um Bellini muito bonito levantava a taça Jules Rimet. Ouvi essa coletânea dos gols dessa copa dezenas de vezes. O gosto pelo futebol viria bem mais tarde, lá pelos 14 anos.

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  3. Como é bom reviver aqueles anos felizes da adolescência, não é Pedro? Muito bonito seu texto.
    Abraços

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