domingo, 20 de junho de 2010


Arqueologias

* Por Alexandre Marino

As infinitas casas dentro de uma casa.
Incontáveis cômodos, entre corredores
e labirintos.
Passagens secretas,
quartos abandonados,
paredes falsas
por onde fantasmas navegam seus instintos.

No banheiro, sinais de uma presença
sem testemunhas.
Um nome proibido e seu vazio.
O perfume de sabonete Labas
e a gastura de fincar-lhe as unhas.

As gavetas onde o pai esconde as amantes,
uma flor seca entre as páginas do caderno,
as janelas invisíveis
onde mãe e filhas se debruçam para sonhar,
uma bola que nunca mais voltou à terra
e um muro que limita três mistérios.

E há outra casa e dentro ainda outra,
onde plange um violão doente de cupins,
um violão que se atira ao quintal
em noites de vendaval,
abre cordas e peito à ventania
e desperta um morto no jardim
para a última cantoria;

Mas há outras casas, e outras
enterradas sob a alvenaria,
onde se ouve o amor dos gatos no porão
e seus ecos no coração de uma tia
em eterna vigília no fogão,
enquanto chegam as notícias
à mesa da cozinha.

E no guarda-roupas do último quarto,
um espelho esclerosado
reflete sorrisos senis de crianças mortas,
na escuridão do dia ensolarado.

Ainda entre as paredes de outra casa escondida,
uma cortina veste o rosto da senhora arrependida,
e no oratório, santos expiam culpas
ouvindo confissões das filhas de Maria.

Mas há outras sombras soterradas
sob os alicerces de tantas epigamias,
entre ladrilhos rotos e canteiros d´alface,
jabuticabas maduras e rosas ressecadas,
o cão de guarda farto de fobias.

Sob a terra, vermes se embriagarão
com os restos da adega feita em lágrimas
e os suores de mortais enquanto vivos.

Não haverá poças após as chuvas,
frutas a colher, pássaros nos fios.
Não vou chorar pelo tombo na escada.
Não haverá escadas.
Haverá o espanto dos arqueólogos
ao desenterrar
entre choros
o meu sorriso.

* Jornalista e poeta residente em Brasília, onde trabalha na Assessoria de Comunicação Social do Ministério de Educação. Autor dos livros “Poemas por amor”, “Arqueolhar”, “O delírio dos búzios”, “Todas as tempestades” e “Os operários da palavra”.

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