domingo, 1 de novembro de 2015

Civilização contraditória


* Por Pedro J. Bondaczuk


O homem, nos dois últimos séculos --- notadamente neste atual --- evoluiu, em termos tecnológicos, muito mais do que no restante da história da espécie. Encurtou distâncias, criou máquinas e utensílios que facilitaram a vida cotidiana, cultivou o solo, domou o átomo e dominou as forças naturais para gerar a energia de que precisa. Chegou a deixar seu dômus cósmico, em busca de outros mundos, ou através de pessoas --- no caso, as viagens tripuladas à Lua de fins da década de 60 e início da de 70 --- ou mediante os engenhos que criou, como as sondas espaciais Pioneer e Voyager I e II, entre tantas outras, que pousaram em cometa e num meteorito, fotografaram o distante Plutão e deixaram o Sistema Solar rumo ao desconhecido que tenta conhecer.. A cada dia, novas e mirabolantes descobertas são anunciadas e a ousadia humana, no campo científico, parece não ter limites.

Todavia, a esse avanço extraordinário da técnica e da ciência não correspondeu uma evolução do comportamento. Em alguns aspectos, houve até mesmo perigosa regressão. Desníveis sociais e de renda persistem, não apenas entre países, mas no interior de todas as sociedades nacionais mais avançadas. Os Estados Unidos, por exemplo, constituem-se no país mais rico e poderoso do mundo. No entanto, a cosmopolita e multimilionária Nova York conta com um contingente de moradores de rua de mais de 60 mil pessoas (25 mil das quais crianças), ou seja, número maior, muito maior do que o que há, por exemplo, em São Paulo ou no Rio der Janeiro. E o fosso entre ricos e miseráveis aprofunda-se mais e mais com a absurda concentração de renda cada vez em menos mãos. Isso ocorre em todos os quadrantes. Verifica-se no espaço e no tempo. Acentua-se de uma geração para outra. Não há, nos dias atuais, uma única sociedade que possa ser tomada como paradigma de justiça social. E nem que sequer se aproxime disso.

O economista italiano Aurélio Peccei, fundador do Clube de Roma – embrião das Comunidade Europeia – constatou, no livro "Antes que Seja Tarde Demais", escrito em parceria com o pensador budista japonês Daisaku Ikeda: "Nos precipitamos para o futuro, usando os recursos mais avançados ao nosso dispor, enquanto as idéias, as emoções, as políticas e as instituições continuam ancoradas em um passado que já não existe". Seria este o destino do homem? Este animal superior --- já que é dotado de razão --- existiria apenas para fazer "coisas", com os limitados recursos do planeta que habita?

O ensaísta norte-americano Henry David Thoreau, em seu livro "Desobedecendo", uma espécie de "manual" de desobediência civil, que estimulou Mohandas Karamanchand Gandhi em sua luta pela independência da Índia, acentuou, em um de seus melhores ensaios, intitulado "A vida sem princípios": "Instalamos nossos corpos imensos em nossas almas frágeis, até que os primeiros engulam toda a substância das segundas". Ou seja, sobrepomos nossas satisfações físicas às espirituais e acabamos não satisfazendo nem a uma e nem a outra.

O homem, a todo instante, inventa novas necessidades e com elas corre o risco de exaurir, em uma única geração, os recursos limitados do Planeta que deveriam ser preservados para milhares, quiçá milhões delas, através dos milênios vindouros. Muitos já estão no limite da exaustão. Esse animal egoísta e cruel age sem senso e sem cuidado. Destrói espécies inteiras, que jamais serão repostas (vejam a ameaça de extinção que paira sobre as abelhas). Com isso, condena a própria humanidade a uma futura e dolorosa extinção.

O próprio Peccei alerta: "Só a nossa ignorância atual nos impede de compreender o quanto a diversificação estupenda e abundante da vida é indispensável para nossa existência saudável. Toda planta ou animal, erva ou inseto, por menor ou mais humilde que seja, é, em si, um microcosmo. Extinguir outras formas de vida é pior do que queimar bibliotecas, porque estamos destruindo para sempre uma fonte de conhecimento que talvez não exista em nenhum outro lugar a não ser em sua sabedoria e experiência naturais".

Por isso, não se pode deixar de dar razão a Edgar Morin quando questiona se o homem merece mesmo a designação de "homo sapiens", ou se não seria mais adequado e apropriado chamar esse ser contraditório de "homo demens".


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
   



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