Frases de defeito: quem nunca cometeu?
* Por
Mouzar Benedito
“Quem entra na chuva é
para se queimar”, dizia Vicente Matheus, então folclórico presidente do
Corinthians.
Suas frases ficaram
célebres. Por exemplo: quando se falava de times que queriam tirar o jogador
Sócrates do Corinthians, levando-o por empréstimo ou comprando o passe dele,
Matheus foi firme: “O Sócrates é invendável e imprestável”.
Em outra ocasião,
discutia-se as novas qualidades exigidas dos jogadores de futebol, que já não
podiam atuar como antigamente, quando jogador da defesa tinha que ser bom na
defesa, e atacante tinha que ser bom no ataque, e ponto final. Passou-se a
exigir que defensores fossem igualmente bons como atacantes e vice-versa. O
presidente corintiano sapecou: “Jogador atual tem que ser igual pato, que é ao
mesmo tempo aquático e gramático”.
Mas muitas frases
atribuídas a ele são de autoria de outras celebridades futebolísticas. Por
exemplo: antes da existência da Ambev, que depois virou Embev, e se tornou dona
das cervejas mais vendidas aqui e em outras partes do mundo, a grande
competição entre as cervejas no Brasil era entre a Antarctica e a Brahma. Numa
época, a Antarctica dava uma caixa de cerveja para o melhor jogador em campo.
Num jogo entre Grêmio e Internacional, o ponta Valdomiro, do Inter, foi
considerado o melhor em campo e ganhou uma caixa de cerveja. Foi entrevistado e
falou: “Quero agradecer à Antarctica pela caixa de Brahma que ela me deu”.
No Bahia, um grande
craque da bola e das frases malucas era o jogador Baiaco. Num clássico contra o
Vitória, estava machucado e não pôde jogar. Mas declarou antes do jogo: “Comigo
ou sem migo o Bahia ganha”.
Lembro-me de um
jogador português que chutava bem com o pé direito, mas o esquerdo dele só
servia para andar. Não sabia usar o pé esquerdo nem para passar a bola. Mas um
dia definiu o jogo com um golaço feito com um chute de esquerda. Numa
entrevista depois do jogo, foi perguntado sobre isso e declarou: “Chutei com o
pé que estava mais à mão”.
Bom, mas não é só no
futebol que acontecem essas coisas. Nem na TV, como a personagem Magda, de
Marisa Orth, que só falava besteiras.
Lá pelo final do
milênio passado (!), funcionários da Assembleia Legislativa de São Paulo
coletaram um monte de frases publicadas em jornais e revistas e outras ditas
por gente dali e de fora, inclusive por um assessor parlamentar muito bem pago,
mas autor de joias como as pronunciadas por esses personagens que citei.
Segundo alertavam os autores da coletânea nenhuma foi inventada. Tudo isso
circulou pela internet, com o título “frases de defeito”, e chegou até a mim.
Mexendo nos arquivos
esquecidos do meu computador, achei essa coletânea, que é muito extensa.
Selecionei algumas delas e até mexi um pouco nelas. Aí vão:
Coloquei no armário
enrustido…
* * *
Ele está advogando em
casa própria.
* * *
Ainda não chegou a
fratura do meu cartão de crédito.
* * *
Você tem que adoçar o
cheque.
* * *
A questão não veio à
tônica.
* * *
As imediações são
todas próximas.
* * *
Ela chegou de
chupetão.
* * *
Estou no beco sem
cachorro… Ou no mato sem saída.
* * *
Na minha rua tem um
terreno baldinho…
* * *
Vou chupar o pau da
barraca.
* * *
Eu me vesti como manda
o frigorífico.
* * *
Ele não tem senso de
noção.
* * *
É preciso encadernar
as ideias.
* * *
O doente entrou em
estado de goma.
* * *
Aquele bar está em
franga decadência.
* * *
Ele foi com muita sede
ao poste.
* * *
Foi demitido por justa
calça.
* * *
Antes de assinar o
contrato, é preciso ler nas estrelinhas.
* * *
O tiro saiu pela
catraca.
* * *
É um poema de minha
larva.
* * *
Estou com os nervos à
cor da pele.
* * *
Eu se fiz por si
mesmo.
* * *
Fiquei com a pulga
atrás da ovelha.
* * *
O deputado apresentou
um projétil de lei.
* * *
Me pegou de enxofre.
* * *
Por ela eu ponho a
minha mãe no fogo.
* * *
Essa é uma questão de
forno íntimo.
* * *
Vamos separar a joia
do trigo.
* * *
Não entendo nada
disso. Sou meigo no assunto.
* * *
Me pegaram para bode
respiratório.
* * *
Não dá para adivinhar
o que vai acontecer. Não tenho bola de neve.
* * *
Acendeu o olhoforte.
* * *
Depois de morar muitos
anos lá, requerem uso campeão.
* * *
Vou me abastecer de
dar minha opinião.
Em 1968 já tinha disso
Em 1968, muitas
assembleias estudantis eram feitas na rua Maria Antônia, em frente ao prédio da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da USP. Mas nem só estudantes da USP
participavam. Qualquer um podia chegar lá e até pedir a palavra e discursar. Em
meu livro “1968, por aí… Memórias burlescas da ditadura”, publicado pela
Publisher Brasil, eu me lembrei de algumas histórias acontecidas naquele
período.
Um estudante do
Mackenzie subia de vez em quando ao palanque para pedir moderação. E tentava
mostrar otimismo. Fingia que não havia ditadura. Uma vez, para falar que era
preciso acreditar mais no Brasil (e no governo), falou: “Gente… O Brasil é um
país tão grande que vai de norte a sul e de leste a oeste”. Gargalhada geral.
Que país não vai de norte a sul e de leste a oeste? Até o Chile que é bem
magrinho vai de leste a oeste também.
Outra história de pouco
depois aconteceu durante a visita da Rainha Elizabeth ao Brasil, durante o
governo Costa e Silva. O presidente tomou umas, ficou meio chumbado, e num
brinde a ela falou: “God… God…” (não se lembrava do “save” e sapecou): “God,
God… the queen!”.
Na época do “Milagre
Brasileiro”, parte da classe média ganhou mais dinheiro do que de costume e
começou a viajar para o exterior. Todos os dias aconteciam coisas muito
“interessantes”, com esses novos viajantes. Uma brasileira que foi à França,
conheceu algumas pessoas em Paris e quis fazer um doce brasileiro para elas.
Acho que era arroz doce. Precisava de canela, procurou na cozinha e não tinha.
Resolveu ir comprar na farmácia (!). Como outras pessoas dessa estirpe, achava
que para falar francês era só colocar um acento no final das palavras,
transformando-as em oxítonas. Chegou na farmácia e pediu “canelá”. O homem não
entendia e ela repetia “canelá, canelá”. Continuava não entendendo. Para
“facilitar” o entendimento dele, ela passou a bater com o nó de um dedo na sua
própria canela e continuou falando repetidamente: “Canelá, canelá…”
E nem mesmo gente mais
graduada, ou pelo menos politizada, escapava de besteiras como essa. Um cara
que chegou a Paris como exilado, na primeira reunião que teve com franceses,
quis mostrar firmeza política e coerência. No meio da discussão, lembrou-se
daquele ditado: “Comigo é assim: pão-pão, queijo-queijo”, e achou que podia
traduzir isso literalmente. Fez pose e sapecou “Avec moi c’est ainsi:
pain-pain; fromage-fromage”. Os franceses não entenderam nada, e ele ficou se
sentindo o máximo.
Para terminar, volto
às assembleias da rua Maria Antônia. Mas os personagens não eram estudantes, e
sim duas crianças, um menino e uma menina. Na época, morador de rua era
raridade, e criança mais ainda. E o que disseram é uma exceção neste texto: não
foram “frases de defeito”. Ficaram ouvindo os discursos dos estudantes contra o
Acordo MEC-USAID, contra a guerra do Vietnã, contra a ditadura, contra o
imperialismo e outras ruindades mais. Prestavam bastante atenção, até que a
menina, se desiludiu, sentou na calçada e falou triste: “Eu não entendo nada do
que eles falam”. O menino puxou-a pela mão e disse: “Levanta e bate palmas.
Eles também não gostam de polícia”.
*
Jornalista
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