Quem morre de véspera é peru de Natal
* Por
Alexandre Vicente
O brasileiro tem muitas
manias, mas uma em especial é marca registrada: deixamos tudo para última hora.
Ainda no colégio
começamos nosso treino com dedicação e afinco: trabalho de casa só na véspera.
Isso quando não é feito de manhãzinha, se estudamos no turno da tarde.
Quando a Tia Cecília
pede uma pesquisa para entregar daqui a um mês, tenha certeza: a pesquisa será
feita no domingo no fim da noite. Lógico que o resultado equivale ao empenho.
Trabalho pífio, com nota medíocre. Mas eu tenho um happy ending para contar.
Lembro que estava na
quarta série do antigo ensino fundamental e a professora havia pedido para
fazer uma história sobre algum dos fatos do descobrimento do Brasil e seu
desenrolar. O melhor trabalho ganharia um brinde, acho que era uma camiseta.
Bom, como aluno mediano que fui, sabia que eu não era elegível para tal. Sendo
assim, a tarefa foi para o fim da fila. No domingo, véspera da entrega, assisti
a mais um episódio do programa d’ Os Trapalhões (na época era imperdível, pois
tínhamos o time completo: Mussa, Zaca, Didi e Dedé) e quando começou o
Fantástico a luz acendeu: “Ihh o trabalho de Estudos Sociais” – era assim que
chamávamos a matéria de História.
Pelo que lembrava era
para fazermos uma historinha, tipo gibi. Eu sentei e comecei a desenhar e
contar as aventuras de Estácio de Sá. O carinha que terminou com uma flechada
no rosto e virou bairro e Escola de Samba. As ilustrações eram toscas. Como não
havia me preparado adequadamente, apelei para os desenhos de carinha com
palitinhos fazendo o corpo e os membros superiores e inferiores. Lógico, que
tinha um pouco de humor, pois eu só queria terminar aquilo e sabia que não ia
ganhar nada.
No dia da entrega, vi
os trabalhos dos colegas e fiquei com vergonha de mostrar o meu. Deixei quieto
até que a professora pediu para colocarmos os trabalhinhos numa pilha em cima
de sua mesa. Me livrei daquela bagaça e segui feliz, só com uma pontinha de
vergonha, pois embora quisesse que ninguém visse, eu tinha que assinar aquela
obra prima.
Um mês depois, trabalho
corrigidos, a professora começa a falar que gostou muito de todos e aquele blá,
blá, blá motivacional. Eu, quieto, torcendo para não ser citado como exemplo de
trabalho ruim. Laranja podre…
Ela começou premiando o
terceiro colocado e nessa hora me senti fora de perigo. Ninguém vai dar um
prêmio de primeiro lugar e depois fazer menção honrosa ao pior trabalho
apresentado. Comecei a jogar papel molhado no teto da sala (essa era nossa maior
contravenção, ao contrário dos dias de hoje). De repente suei frio. Ela começou
a falar de um trabalho que havia arrancado gargalhadas dela e que pela
criatividade e simplicidade tinha tirado o primeiro lugar. Isso mesmo. Aquele
trabalhinho mequetrefe arrancou o primeiro lugar e deixou muita gente
indignada.
Muito envergonhado, fui
lá na frente ganhar um abraço da professora, receber o prêmio e elogios
imerecidos. Em perspectiva, nem tão imerecidos assim, pois realmente o texto
era bem criativo.
Até hoje uso essa
lição: ajuste de imposto de renda? Só na véspera.
*
Escritor carioca
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