O zagueiro Valdir
* Por Rodrigo Ramazzini
Quando
havia o clássico entre os times do Boteco do Nenê e o Flamenguinho, da lomba do
cemitério, era uma mobilização. Por serem os times mais antigos e de maiores
torcidas, a cidade praticamente “parava” uma semana antes dos jogos ocorrerem.
Era só o que se falava nas rodas de bate-papo, no barbeiro, nas escolas etc.
Havia até apostas. Grandes quantias. Bom! O próximo confronto entre as equipes
estava marcado para domingo e decidiria quem seria o primeiro colocado da chave
A, do campeonato de futebol amador.
No
time do Boteco do Nenê, havia um zagueiro chamado Valdir, também conhecido
carinhosamente como “Armário”. Acho que não preciso dizer mais nada! Pois bem.
“Corria” a história na cidade, que certa feita, um grande clube do futebol
brasileiro mandou um “olheiro” observar o futebol dele, mas ninguém nunca soube
se isso realmente aconteceu.
Apesar
da estatura, Valdir era um zagueiro técnico, considerado um dos melhores da
cidade. Jogava com classe, como se costumava dizer. Porém, nos últimos jogos do
time do Boteco, ele andava “perdendo a cabeça”. Quando jogava, não terminava
uma partida sequer, sempre era expulso. Com isso, começaram as dúvidas em
relação à sua real capacidade futebolística. O treinador do time ameaçou
colocá-lo no banco de reservas. “Vetou-lhe” a vida noturna e a cerveja. – Está
te matando rapaz! Afirmava. Entretanto, não era nada disso que estava levando
Valdir a ter esse descontrole emocional. A causa estava na sua nova namorada, a
Dulcinéia. Não! Não que a Dulcinéia lhe causasse transtornos “extracampo”. Pelo
contrário, ela era uma moça recatada, de bons costumes e apaixonada pelo
Valdir. O problema “surgiu” quando os adversários descobriam que ao elogiar
Dulcinéia, fiel expectadora das partidas, o Valdir, enciumado, irritava-se de
tal maneira, que, quando não dava uma entrada fortíssima, prendia mesmo a
porrada em quem fizesse tal comentário.
Quando
soube desta história, o Gaguinho, atacante do time da Lomba do Cemitério,
malandro de carteirinha, o engraçadinho da equipe, apenas disse para os
companheiros de time – Deixa cumigo no domingo, rapaziada! E saiu a passo,
gingando o seu magro corpo.
Domingo.
As arquibancadas estavam cheias. As torcidas enlouquecidas gritavam os nomes
dos times sem parar. Fazia um dia de sol e calor. Quando as equipes entraram em
campo foi aquele foguetório. Uma festa! O início da partida teve de ser
atrasado em quinze minutos por causa da fumaça. Enquanto isso, o Gaguinho
aquecia, brincando com a bola e olhando para a arquibancada, a fim de achar
Dulcinéia.
Começa
a partida. No primeiro ataque do Flamenguinho, o chute a gol passa próximo da
goleira do time do Boteco do Nenê. Enquanto o goleiro buscava a bola e os times
novamente se posicionam em campo, o Gaguinho encostou-se no zagueiro Valdir,
apontou-lhe o dedo e indagou – Valdir? O Valdir desconfiado apenas acenou
afirmativamente com a cabeça. Gaguinho riu debochadamente.
Minutos
depois, novo ataque do time do Flamenguinho. O Gaguinho pegou a bola pela
ponta-direita e tentou driblar o zagueiro Valdir, que interceptou, porém, “a
redonda” saiu para escanteio. Como já é de praxe na grande área do futebol,
aconteceu aquela “muvuca”. É empurrão, puxão de camisa, gritos de intimidação.
Tem de tudo! O jogador que cobrará o escanteio amarra as chuteiras, foi então
que o Gaguinho, aproveitando-se disso, no meio do burburinho, exclamou – Como é
gostosa a Dulcinéia, namorada do Valdir! Os companheiros de time do Valdir
arrepiaram-se. Sabiam o que viria pela frente. O zagueiro Valdir olhou para o
Gaguinho, sorriu, e agradeceu tranqüilamente – Obrigado! Sou o dono... Gaguinho
não deixa por menos e rebate – Será? E parecendo estar havendo uma “troca de
papéis”, malandramente, Valdir replica – Também estou de dono do corpinho da tua
casa!
Vocês
sabem como é. Malandro que é malandro nunca perde a majestade. Gaguinho ouvindo
a fala do Valdir, rapidamente colocou as mãos na cabeça e em tom de deboche,
proferiu – O que Valdir? Saindo com o meu Mariozinho!
O
último boletim médico divulgado informou um quadro estável do Gaguinho, devendo
ter alta hospitalar em, no máximo, dez dias.
O
jogo: mesmo com a expulsão do Valdir, o time do Boteco do Nenê venceu a
partida.
* Jornalista e cronista
Muito bem feito. Num caso assim, traumatismo craniano não seria de todo mal, e olha que eu sou boazinha.
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