Eu uso óculos e outros anexos, caso precise
* Por
Mara Narciso
O sol está se pondo e o
lusco-fusco toma conta do ambiente. Logo as luzes serão acesas. Alguém pensaria
em não acender a luz em tempos de paz, sem apagões ou falta de pagamento?
Jamais! Uma criança está com dificuldades escolares. Não aprende e descobre-se
que há uma falha na visão. Os pais providenciam os óculos e tudo volta à paz,
pois uma deficiência intelectual, algumas vezes suspeitada, seria uma situação
bem mais complexa, e algumas vezes intransponível.
Sabe-se de menina
conduzida para uma fila lateral de carteiras, onde ficava, algumas décadas
atrás, um grupo de alunos em dificuldade de aprendizagem, com o pejorativo nome
de “turma do bagaço”. A pedagogia avançou, e essa informação hoje choca, mas
existiu. Uma das crianças foi levada ao oculista, e com onze graus de miopia,
descobriu, após colocar um par de óculos, de como era o mundo. Em poucos dias,
estava acompanhando sua turma. Uma outra menina, com seis anos, viu que o céu
tinha estrelas, e ficou dando pulos de alegria ao colocar seus óculos, e mirar
para o alto. “O céu é lindo!”
Quem tenha enfrentado
situação extrema assim, em criança, só vai reclamar dos óculos bem depois, no
início da vida adulta, em que a vaidade fica maior do que a necessidade, e as
lentes, antes o último grito em termos de solução foram pouco a pouco sendo
substituídas pela cirurgia. Há doenças que exigem o uso de lentes, assim como
alguns desejam a mudança da cor dos olhos em busca de melhor estética,
especialmente num país no qual os olhos claros têm imenso valor. Pessoas feias
são chamadas de bonitas por ostentarem olhos claros.
Após os 40 anos, ou um
pouco antes, há necessidade de óculos para leitura para a maioria da população.
A aceitação não é difícil, devido à necessidade premente, embora se acostumar
com os óculos em tempo integral possa ser mais difícil do que apenas para ler.
O gesto deselegante de olhar por cima dos óculos é estranho para os que dele
ainda não necessitam. As lentes para ler não servem para olhar para longe, pois
tudo fica borrado, então é preciso usar lentes multifocais ou ver lá adiante
por cima dos óculos. Alguns não conseguem se adaptar, ficando tontos, tombando,
parecendo que vão cair. Acham horrível descer escadas, por exemplo. Não
enxergam, mas só colocam os óculos na hora de ler, sendo criticados por isso.
O caminho percorrido
pelos idosos que precisam de aparelho auditivo é muito mais longo e penoso.
Pessoas que não escutam, passam vários anos sem ouvir, e mesmo que familiares
insistam, não aceitam, e aos berros afirmam não estar surdos. Garantem que,
aumentando o som dos aparelhos eletrônicos, conseguem ouvir, e assim o tempo
vai passando e eles vão ficando a cada dia mais isolados e arredios. O problema
vai se agravando, as pessoas se desligam, não querem mais sair nem falar, não
participam da vida social, não acompanham o noticiário e em pouco tempo
encontram-se alheios a tudo. Não querem o aparelho, que, segundo o preconceito,
é atestado pronto e acabado de velhice irreversível. Outros tentam, mas logo
nos primeiros contatos não querem usá-lo, dizendo que apitam, fazem barulho,
são altos demais, incomodam e não adiantam. Embora tenha havido considerável
avanço nessa área, umas poucas pessoas não se acostumarão com essas
impressionantes máquinas, a cada dia menores e mais eficazes.
Se os aparelhos
auditivos já conseguem ser um desafio e meio para quem deles precisa, é ainda
mais difícil para os parentes convencerem quem está desequilibrado e mancando,
para passar a usar um apoio para se locomover. Há quem se sinta ofendido a
menor sugestão desse quesito. A vergonha, segundo manifestam, é grande, pois
não há como disfarçar, ou esconder parcialmente essa necessidade. Por
preconceito, preferem se dependurar no braço de alguém do que ostentar uma
bengala, “a terceira perna”, uma regressão, já que no começo da vida, se
engatinhava, andando de quatro pés.
Quando em uso, chegam se justificando, encolhidos e sem graça, e logo
que podem, descansam o apoio longe dos olhos. Cada época com sua necessidade.
Não querê-la é justificável, porém é incompreensível uma pessoa esperar cair,
se machucar, com risco de fraturar um osso, para depois buscar ajuda.
Esta lista de
necessidades, umas maiores, outras menores, umas disfarçáveis e outras não, mas
todas indispensáveis, precisa ser
trabalhada sobre a população, pois um preconceito pode demorar décadas para ser
derrubado, e o tempo de benefício acabará sendo pequeno ou até inútil.
*Médica endocrinologista,
jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Temos mais é que assumir esses anexos todos, do jeito mais "desencanado" possível. Óculos, por exemplo, na minha opinião compõem a personalidade do indivíduo. Muitas pessoas, sem óculos, perdem completamente a graça. O que seria uma "prótese" ganha status de parte do corpo. Bom texto, Mara.
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