sábado, 4 de outubro de 2014

O desembarque no Passo da Pátria

* Por Artur Jaceguai

Um dos espetáculos mais grandiosos que se oferece na guerra é o de um combate travado durante uma tempestade. No tempo dos romanos, é sabido o pavor que derramava entre os combatentes o ribombo dos trovões, interpretado sempre como uma advertência, um augúrio funesto, a que se curvavam os mais destemidos guerreiros.

Na guerra moderna, o troar da artilharia e da fuzilaria, confundindo-se com o ribombo dos trovões, ainda mais aumenta o horror do quadro. Para os espectadores, que eram o maior número, a sensação auditiva única que lhes dava o pavoroso espetáculo era a de alguma cousa mais tétrica que uma batalha. Era a de um extermínio apocalíptico! A passagem de um grande rio, operação sempre temerosa e das mais movimentadas e difíceis da guerra, surpreendida em meio de sua execução pelo desencadear de uma tempestade, é realmente uma das provas mais severas a que pode ser submetido o organismo de um general-em-chefe. Nessa situação tremenda em que se achou Osório, na passagem do Paraná, pude admirar a tranqüilidade olímpica, que tornou legendário o vulto do Cid brasileiro. Um detalhe curioso, característico da maneira de combater do soldado brasileiro: os nossos infantes embarcaram para a passagem do Paraná fardados e equipados, como para exibirem-se em uma parada. Ao desembarcarem, porém, toparam logo com um pequeno banhado, que lhes serviu de pretexto para se descartarem dos sapatos e arregaçarem as calças, que era o jeito com que invariavelmente entravam em combate. O banhado, no fim de algumas horas, estava literalmente entulhado de botinas reúnas.

A noite passou-se sem maior novidade; apenas tiroteio nas avançadas, próprio de tropa que ainda não está aguerrida, e, de quando em quando, um metralhar da esquadra, no mato da margem do rio. Continuou-se sem interrupção o transporte da tropa de uma para outra margem. Na madrugada de 17, os paraguaios atacaram com 3.000 homens mas foram repelidos facilmente. Às 9 horas da manhã, já não tremulava sobre os muros de Itapiru a bandeira paraguaia. O forte fora abandonado durante a noite. Os primeiros raios do sol já iluminavam, ao som dos hinos dos aliados, a bandeira brasileira, ali hasteada, por um dos ajudantes-de-ordens do almirante Tamandaré, o primeiro-tenente Carneiro da Rocha.

Osório continuou a avançar pela faixa do terreno à margem do Paraná, sempre à frente de suas tropas, expondo-se ao tiroteio dos piquetes inimigos em retirada, até o alcance das trincheiras do campo de Lopez.

A impavidez de Osório eletrizou o exército aliado e inspirou, desde logo, a todos, a mais absoluta confiança no general brasileiro. Teve, em verdade, um belo efeito o magnífico exemplo de abnegação com que Osório guiou os primeiros passos dos seus soldados, na conquista do solo inimigo.

(Reminiscências da Guerra do Paraguai, 1935.)


* Escritor, membro da Academia Brasileira de Letras

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