O desembarque no Passo da Pátria
* Por
Artur Jaceguai
Um dos espetáculos mais
grandiosos que se oferece na guerra é o de um combate travado durante uma
tempestade. No tempo dos romanos, é sabido o pavor que derramava entre os
combatentes o ribombo dos trovões, interpretado sempre como uma advertência, um
augúrio funesto, a que se curvavam os mais destemidos guerreiros.
Na guerra moderna, o
troar da artilharia e da fuzilaria, confundindo-se com o ribombo dos trovões,
ainda mais aumenta o horror do quadro. Para os espectadores, que eram o maior
número, a sensação auditiva única que lhes dava o pavoroso espetáculo era a de
alguma cousa mais tétrica que uma batalha. Era a de um extermínio apocalíptico!
A passagem de um grande rio, operação sempre temerosa e das mais movimentadas e
difíceis da guerra, surpreendida em meio de sua execução pelo desencadear de
uma tempestade, é realmente uma das provas mais severas a que pode ser
submetido o organismo de um general-em-chefe. Nessa situação tremenda em que se
achou Osório, na passagem do Paraná, pude admirar a tranqüilidade olímpica, que
tornou legendário o vulto do Cid brasileiro. Um detalhe curioso, característico
da maneira de combater do soldado brasileiro: os nossos infantes embarcaram
para a passagem do Paraná fardados e equipados, como para exibirem-se em uma
parada. Ao desembarcarem, porém, toparam logo com um pequeno banhado, que lhes
serviu de pretexto para se descartarem dos sapatos e arregaçarem as calças, que
era o jeito com que invariavelmente entravam em combate. O banhado, no fim de
algumas horas, estava literalmente entulhado de botinas reúnas.
A noite passou-se sem
maior novidade; apenas tiroteio nas avançadas, próprio de tropa que ainda não
está aguerrida, e, de quando em quando, um metralhar da esquadra, no mato da
margem do rio. Continuou-se sem interrupção o transporte da tropa de uma para
outra margem. Na madrugada de 17, os paraguaios atacaram com 3.000 homens mas
foram repelidos facilmente. Às 9 horas da manhã, já não tremulava sobre os muros
de Itapiru a bandeira paraguaia. O forte fora abandonado durante a noite. Os
primeiros raios do sol já iluminavam, ao som dos hinos dos aliados, a bandeira
brasileira, ali hasteada, por um dos ajudantes-de-ordens do almirante
Tamandaré, o primeiro-tenente Carneiro da Rocha.
Osório continuou a
avançar pela faixa do terreno à margem do Paraná, sempre à frente de suas
tropas, expondo-se ao tiroteio dos piquetes inimigos em retirada, até o alcance
das trincheiras do campo de Lopez.
A impavidez de Osório
eletrizou o exército aliado e inspirou, desde logo, a todos, a mais absoluta
confiança no general brasileiro. Teve, em verdade, um belo efeito o magnífico
exemplo de abnegação com que Osório guiou os primeiros passos dos seus
soldados, na conquista do solo inimigo.
(Reminiscências da
Guerra do Paraguai, 1935.)
*
Escritor, membro da Academia Brasileira de Letras
Nenhum comentário:
Postar um comentário