Tradições contradições 61
* Por Walter
da Silva
“Velha é
a estrada”- dito popular
O que há
de errado com a velhice? Por que os velhos são tratados com desprezo ou
indiferença? Ser velho é o mesmo que estar velho? Tais questões, sob alguns
prismas, são formuladas com alguma base na realidade, jamais fora dela. A
velhice humana, sob qualquer circunstância ou ângulo sócio antropológico é no
mais das vezes, agenda posta de lado ou na melhor das hipóteses, descartada.
Esta sociedade construída sob estacas estéticas equivocadas, leva o cidadão
comum, com menos de cinquenta anos, a imaginar-se “velho” ou simplesmente “já
estou velho demais para isso”.
Na minha
experiência particular, desde muito tempo, visualizo uma pessoa velha, como
alguém com suficiente experiência para me transferir dados úteis, vitais a meu
processo de maturidade. Sei que para cada um tal assertiva sofre de um mofo
diferenciado. À medida que se avança no tempo cósmico, mais e mais nos damos
conta de nossa impotência de assimilá-lo. Por vezes, um mero sinal biológico de
velhice, que nem alguns fios brancos na cabeça, sugere um surto de longevidade,
estranha precocidade física. Mas o surgimento de sinais de velhice, não quer
dizer necessariamente velhice literal. Para a sagrada ciência, está provado, um
ser humano começa a envelhecer aos vinte e cinco anos. É o momento zero em que
grupos ou núcleos celulares começam a dar os primeiros alertas de “senilidade”.
Mas aos vinte e cinco anos, parceiro? Sim. Textos antes me referi a um termo denominado etarite, significando um conjunto de sintomas álgicos indicadores de velhice ou deficiência corporal. Mas a velhice física tem uma relação biunívoca com a mental. Alguns seres humanos, por razões de caráter intrínseco, creem que algum sistema exterior a si mesmos, determinará ad hoc a continuidade ou não de sua higidez e a sustentabilidade físico-mental.
Claro que
me refiro a pessoas comandadas há muito tempo por dogmas ou princípios
extraterrenos, induzidos pela ilusória suposição religiosa. Sei que os mais
letrados, aqueles que tiveram chance de esmiuçar o mundo adjacente, não sofrem
necessariamente desse mal.
Por outro
lado, pessoas simples, letradas ou não, veem a vida, o mero existir, como algo
prazeroso, lúdico e estável, ainda que no fundo sofram de algum mal
desconhecido. De fato, somos um sistema de ocorrências físico-mentais do tipo
“caixa-preta”. Não tomamos conhecimento, nem seria muito confortável, do que
está ocorrendo nos subterrâneos celulares e no mais profundo recanto de nós
mesmos.
Guardamos
um íntimo prazer no fato de nos comunicarmos, por menos gregários que sejamos.
Dir-se-ia até que a comunicação humana torna o ser vivente menos precário em
sua maneira de encarar a crueza da realidade na qual se insere. Quando muito
jovem ainda experienciei momentos em que supunha ser jovem para sempre. Forever
Young, uma melodia quase de época.
A marcha
contínua do envelhecimento corporal talvez não condiga com o ritmo frenético de
um cérebro ativo, uma mente criativa, uma imaginação fértil. De quando em vez
cito o exemplo feliz de alguns privilegiados seres que fizeram de suas vidas um
palco iluminado, ainda que as luzes se apagassem como no teatro, em
resistência. Dentre eles está Bertrand Russell, meu filósofo predileto e gente
de cepa privilegiada. Há muitos outros que, mesmo aos oitenta, noventa e até
cem anos, demonstraram um vigor quase sobre-humano, a exemplo do arquiteto
Oscar Niemeyer, morto recentemente.
Mas nós, idosos na forma da lei, somos vistos com um misto de reverência, espanto e dissimulação. E não adianta nada externar sinais de gentileza, comedimento ou resignação, sempre somos vistos como figuras que já não se sustentam mais no bípede equilíbrio. E o que mais me mantém cheio de perplexidade é quando me encontro com um contemporâneo e ele ou ela me olham de cima a baixo e disparam: “Você está bem!”
Cáspite.
Essa gentileza poderia muito bem ser excluída. Do ponto-de-vista estatístico e
me lixo pra ele, os velhos com mais de sessenta anos são uma população de
milhões de seres. Alguns deles, aposentados, voltam a trabalhar, porque
cansaram do seu flato cotidiano, na poltrona em frente à tevê. Outros, ao redor
dos netos e bisnetos, saem em busca de alguma forma de espantar a sombra
indesejável da morte, ao buscar um salão de beleza inútil e tingir os cabelos
de preto ou cor de burro quando foge. Eu hein!
Há
exceções para tudo, claro, inclusive para nada. Admiro e reverencio meus amigos
que já completaram os setenta anos, ainda ativos, mexendo com os pauzinhos da
imaginação. A tal aposentadoria é uma forma eufemística de dizer basta, quando
não se configura o momento de pronunciar: ainda.
A velhice
não é o fim de tudo; é o princípio de quase nada. Mas se você tem suficiente
saco para enfrentar o mundo do jeito que ele é, aí sim, os velhos são outros,
numa paráfrase de Jean-Paul Sartre, quando diz que o inferno são os outros.
Chato mesmo é quando o velho imagina que, sob o olhar simpático da menina-moça,
ele pode interferir na cruel marcha do tempo e fingir que é moço o suficiente
para sorrir à grande sem conseguir impedir o balanço da prótese dentária.
* Escritor
Tão cruel quanto a velhice.
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