Sempre
sem razão
* Pedro J. Bondaczuk
O ditado que diz que “da
discussão, nasce a luz”, é um dos mais furados que conheço. Ainda se dissesse
que o esclarecimento de qualquer controvérsia provém de um diálogo lúcido e
sereno, entre pessoas do mesmo nível cultural e intelectual, haveria um
pouquinho de possibilidade disso ocorrer. Mas não há segurança alguma de que de
fato ocorra.
Desconheço quem, em uma conversa,
mesmo que descontraída, se curve aos interlocutores e admita que não tenha
razão em alguma tese, ou teoria, ou mera afirmação qualquer que defenda ou que
tenha enunciado. Da boca para fora, até se pode admitir, para evitar que o papo
descambe para a discussão. Mas, interiormente, quem pode jurar que essa pessoa
tenha se dado por convencida?
Todos os debates a que assisti –
embora eu, no meu íntimo, tenha atribuído a vitória a um dos debatedores – em
termos de convencimento, sempre terminaram empatados. Ao cabo das apresentações
das teses, das réplicas e das tréplicas, cada um dos contendores se manteve
rigorosamente inflexível na sua posição original, sem arredar um mísero milímetro
dela.
Ao debaterem projetos, moções e
resoluções, no Congresso Nacional, você acredita, de fato, que algum
parlamentar da situação (deputado ou senador, não importa) convença, mas
convença mesmo, sem que restem dúvidas e senões, seu antagonista da oposição
(ou vice-versa)? Se ambos pensassem da mesma forma, seriam do mesmo partido ou
facção ideológica. Cada qual puxa a sardinha para a sua brasa e não arreda pé
das suas convicções, até por mera vaidade.
Mesmo quando algum projeto é
aprovado, a aprovação se dá com uma infinidade de emendas, a maioria redundante
e inútil, meros penduricalhos legais, que os oponentes da proposta fazem
questão de impor. Raros, raríssimos temas obtêm consenso dos parlamentares.
E isso é ruim? Não sei! Em alguns
casos, é saudável, desde que as emendas corrijam omissões do projeto original e
sejam, de fato, para melhorar o que foi proposto. Raramente, porém, é. Não
passam de manifestações de vaidade, de quem não admite, em circunstância
alguma, “dar o braço a torcer” a algum oponente. Esses debates, frise-se,
dão-se, via de regra, em um clima “civilizado” (às vezes não), tendo sempre um
mediador, no caso quem preside a sessão, para regulá-los.
Imagine, então, uma discussão,
mesmo que seja sobre futebol, em que não haja nenhum tipo de arbitramento. Não
raro, essas altercações descambam para as vias de fato ou coisa pior, como um
conflito generalizado ou até mortes. Como pode nascer a “luz”, ou seja, o
entendimento, o consenso ou o esclarecimento, se todos querem ter razão, embora
(e principalmente) quando não a tenham?! Acho esse tipo de confronto (mesmo que
o fulcro das discussões seja o de idéias), não somente uma inutilidade, uma
estúpida perda de tempo, mas, não raro, até uma irresponsabilidade.
Reitero que prefiro o diálogo,
sereno, maduro, lúcido, envolvendo iguais. Em caso de desigualdade, será uma
covardia. O sábio jamais convencerá o néscio (e vice-versa). Se isso fosse
possível, o ignorante perderia essa condição e galgaria degraus e mais degraus,
rumo à sabedoria. Não galga.
É possível que ao se dialogar,
com serenidade e bom-senso, quem tenha argumentos sólidos consiga convencer,
minimamente, quem não o possua. Nunca, todavia, existe uma certeza, nem a esse
propósito, nem a respeito de coisa alguma. Aliás, minto. Há uma determinada
situação em que o resultado de qualquer debate ou discussão é único e
consensual.
O escritor francês, Philippe
Destouches, destaca qual é essa circunstância. Afirma, em um de seus tantos
textos: “Os ausentes nunca têm razão”. Ou seja, quando se discute determinada
tese, apresentada por quem não pode se fazer presente para defendê-la, ela é
liminarmente derrotada, mesmo que aos olhos do mundo seja a mais lídima
expressão da verdade.
Ademais, a ausência anula
qualquer possibilidade de diálogo. Caso haja uma só pessoa falando, haverá, é
óbvio, somente um monólogo. E a razão, nem é preciso destacar, estará (pelo
menos na cabeça dele) com quem estiver monologando. Portanto, se você tiver
qualquer proposta que queira ver aprovada (seja num debate parlamentar, seja
numa reunião de condomínio ou em outra assembléia qualquer), não delegue a
ninguém, por mais confiança que tenha nesse delegado, a sua defesa. Faça-se
presente. Só assim conseguirá impor a razão (mas a sua, claro)!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Considero que no íntimo não se pensa: não é que ele tem razão? Como bem disse você, pode-se calar para evitar que descambe, mas isso não significa que se concorde com quem inicialmente tinha o pensamento oposto.
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