quinta-feira, 23 de setembro de 2010




Não vou tomar café nem escovar os dentes

* Por Fernando Yanmar Narciso



Antes de MPB virar sigla de “Música Pra Bunda” na década de 90, que transformou compositores tarados baianos e dançarinas de cabaré em popstars, a música jovem por excelência na década anterior foi o movimento “Rock Brasil”. Aaaaaaaah, os bons e velhos anos 80... Como diria Raulzito, foi uma charrete que perdeu o condutor. Nunca houve período melhor para fingir felicidade. Inflação de 84% ao mês, ruas ainda lotadas de fuscas e Chevettes, Rede Globo ainda mandava no país, e mesmo assim ainda conseguiam compor músicas alegres e festivas... Nos Estados Unidos e na Europa, com o advento da recém inaugurada MTV, se a música não tivesse tecladinhos sintetizadores baratos e bateria digital com eco não podia ser considerada música. Já aqui no Brasil a regra para fazer música era: Quanto mais alegre, debochada e tosca fosse a gravação, mais faria sucesso.
Na tal “década perdida”, se você fosse roqueiro, havia uma escolha a fazer: Ou sua banda atingia os jovens no fundo da alma com letras depressivas e introspectivas, ou anarquizava com tudo, fazendo graça com políticos, situações ou com a cultura popular de então. Em 1982, o excentricíssimo cantor e ator Eduardo Dusek lançou, ao lado da banda João penca e seus Miquinhos Amestrados, o histórico LP Cantando no banheiro, que lançou a semente do Rock Brasil ao solo. No mesmo ano, Evandro Mesquita fundou a banda Blitz, com Lobão e Fernanda Abreu. As letras da banda mais pareciam conversa fiada de botequim, com várias pessoas cantando/ falando ao mesmo tempo, sem fazer aparentemente sentido nenhum, e refrões que invariavelmente caíam na boca do povo, como Você não soube me amar, Quero passar um weekend com você e Estou a dois passos do paraíso.
E isso era só o começo. Nos calcanhares deles, várias bandas foram surgindo ano a ano, como o, na época, octeto Titãs, comandado pelo anarquista Arnaldo Antunes, Camisa de Vênus, com o idealista Marcelo Nova à frente, provando que, mesmo com mais de 30 anos, ainda era possível pôr a boca no mundo e montar uma banda, Kid Abelha, liderado pela chatinha Paula Toller, os Paralamas do Sucesso, reis do ska-rock, dentre muitas outras, sem esquecer dos maiores fenômenos do Rock Brasil da época: Ultraje à Rigor, reis da irreverência e do deboche, liderados pelo clinicamente comprovado gênio- ele tem um Q.I de mais de 140 - Roger Moreira, cujo primeiro disco estourou nas paradas TODAS as faixas, e do RPM, do mega-sex symbol da década retrasada Paulo Ricardo, responsável pelo maior fenômeno de vendas da história fonográfica brasileira, o arrasa-quarteirão Rádio Pirata Ao Vivo, que vendeu mais de 2 milhões de cópias em seu lançamento.
Falemos agora dos roqueiros tristes. A década nos presenteou com dois poetas do rock: Cazuza e Renato Russo. Ninguém falou tanto sobre os anseios e dúvidas da geração anos 80 como esses dois e suas bandas, Barão Vermelho e Legião Urbana. Há quem diga que tais compositores são superestimados, recebendo muito mais crédito do que realmente merecem, mas ainda são lembrados como os Luther Kings de sua geração. Nessa linha mais introspectiva, inspirada pelo rock inglês da época, ainda apareceram o Ira e o Plebe Rude.
O Sul do Brasil sempre foi terreno fértil para a ala mais bicho-grilo do nosso rock. Outro que talvez poderemos considerar guru dos jovens oitentistas é Humberto Gessinger e sua longeva banda Engenheiros do Hawaii. Aparentemente, suas letras dizem coisas muito profundas e tocantes, o problema é que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar suas metáforas. A banda Nenhum de Nós, também de Porto Alegre, fazia o mesmo gênero dos Engenheiros, com letras difíceis de compreender, rock misturado com ritmos folclóricos sulistas e Thedy Correia, em minha opinião um dos melhores vocalistas brasileiros. Se desse, eu ficava escrevendo sobre as bandas brazucas até o texto chegar à 4ª página...
O mundo da música é cheio de paradoxos inexplicáveis. Por mais absurda que a idéia possa parecer, dentro de uns, sei lá, 300 anos, Calypso, Parangolé, Chiclete com Banana e até o É o Tchan serão considerados “música clássica”. E não fiquem animadinhos, cantores e bandas do momento, pois o seu grande hit de hoje será a música trash de amanhã. Aliás, do jeito que o mundo da música funciona atualmente, com downloads ilegais a torto e a direito, não se espantem se em três meses o mundo tiver se esquecido de seu nome.
Viva a música!!


* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

2 comentários:

  1. E assim nos tornamos reféns do saudosismo...
    A única vantagem é que hoje quase tudo é descartável
    e o futuro é incerto.
    Adorei o texto Fernando.
    Abraços

    ResponderExcluir
  2. Essa sua mania de passar o passado a limpo é uma ótima oportunidade para nos fazer lembrar de coisas boas também. E quando tudo isso acontecia você estava nascendo. Acho que já nasceu com saudade. Coisas não de pele, mas de útero.

    ResponderExcluir