quinta-feira, 30 de setembro de 2010


Bênção ou maldição?


É complicada (diria complicadíssima) a vida do escritor e não apenas no Brasil, país em que o hábito de leitura ainda não faz parte do cotidiano da maioria. Lá um belo dia, esse indivíduo sonhador tem uma idéia, que reputa genial. Pode ser para narrar uma história, compor poemas, elaborar um ensaio ou redigir um livro seja lá de qual gênero for. Digamos que pretenda escrever ficção. Compete-lhe, antes de tudo, decidir se irá desenvolver o enredo que tem na cabeça de forma mais extensa (em um romance), média (uma novela) ou bem sucinta (um conto).

Tomada essa decisão, compete-lhe criar os personagens, os “atores”, que irão dar “vida” ao que imaginou. Tanto eles, quanto as peripécias que lhes reservou terão que ser verossímeis, caso contrário... dificilmente irão atrair algum fortuito leitor. E tome pesquisa. O nosso escritor passará dias, semanas, às vezes meses (já passei até quatro anos) observando pessoas, cenários, ambientes internos e externos, modos de expressão etc.etc.etc., para fundamentar o tal enredo, que ainda não passa de vaga idéia. Trata-se de um trabalho exaustivo, maçante, braçal, mas que não aparece. E quem não é do ramo não tem a mínima noção do quanto é desgastante.

Ao cabo de certo tempo, que varia de escritor para escritor, ou de enredo para enredo, lá vai o nosso sonhador homem de letras “descarregar” no papel (hoje raros utilizam esse meio) ou na telinha do computador (veículo preferido pela maioria, inclusive por mim) o que imaginou, pesquisou, elaborou e concluiu na sua cabeça. A história, destaque-se, nunca sai igual à originalmente imaginada. Falo por mim e confesso que algumas saem muito melhores do que esperava, enquanto outras... São ridículas caricaturas da idéia original, com as quais luto incessantemente para dar um mínimo de qualidade.

Finda a redação, vem um período ainda mais trabalhoso e tenso: o da revisão (e não apenas semântica e gramatical). É um tal de cortar aqui, acrescentar ali, mudar esta palavra, suprimir aquela outra desnecessária no contexto, eliminar adjetivos (raros são os escritores que conseguem se livrar dos que pelo menos são supérfluos) e assim por diante. O texto vai ganhando, aos poucos, feições definitivas, mas bem diversas das iniciais. Esse processo pode durar dias ou até anos, dependendo do capricho do redator. Dizem que Mário de Andrade levou dezoito anos para dar um conto, de no máximo quatro páginas num corpo razoável (digamos, o 12, no Times New Roman) por concluído. Não chego a tanto em minhas histórias, mas já despendi quatro anos numa delas e mesmo assim, depois de publicada, arrependi-me de não ter demorado mais, para acertar algumas coisas que na hora em que escrevi entendi que fossem “geniais”, mas com o tempo concluí que não eram. Enfim...

Depois de toda essa odisséia, o escritor começa a “romaria” em busca de editores. Conversa com um, tenta convencer outro, não aceita restrições e nem sugestões para alterar o enredo de um terceiro, até que chega a um acordo com o décimo quinto ou vigésimo (ou sei lá qual ordinal) procurado (isso quando chega). Seu livro, finalmente, vai para revisão, registro na biblioteca nacional, confecção de capa, redação de prefácio, composição de contracapa e orelhas e assim por diante. Tem que ver e rever provas e mais provas, até enjoar (raramente se dá por satisfeito) e aquela sua idéia original de um, dois, cinco ou dez anos atrás, finalmente ganha vida. Vira um livro. Deixa, por conseqüência, de ser apenas sua. Torna-se do mundo.

Vem o dia de lançamento. Avisa os amigos e estes fazem mil promessas de ajuda na venda e divulgação da sua obra-prima. Não tarda a concluir que é tudo cascata, tudo conversa mole. Sonha em esgotar, de cara, uma edição de dois mil exemplares (ínfima para padrões internacionais, mas a média no Brasil). Para sua decepção (salvo raríssimas exceções), isso só acontece (e quando acontece) após alguns anos.

Não se trata de questão de qualidade. Há um fator aleatório por trás disso. Os melhores livros que tenho em minha vasta biblioteca, os que têm conteúdo e de cuja leitura aprendi alguma coisa útil, foram rotundos fracassos editoriais. Por sua vez, os best-sellers que adquiri (e comprei muitos deles, aliás, compro todos os meses, até por razões profissionais, como crítico literário), salvo uma ou outra exceção, me decepcionaram. Divertiram-me durante a leitura, é verdade. Mas não me acrescentaram coisíssima alguma. Estão há anos numa prateleira separada, sem que os consulte uma única vez, por não terem o que consultar.

Estou passando mais uma vez por esse processo maluco, estressante e sumamente frustrante com meus dois novos livros (vejam como sou destemperado, lancei, de cara, dois de uma vez), “Cronos e Narciso” (crônicas) e “Lance Fatal” (contos). Antes de entrarem no catálogo da Editora Barauna, recebi (sem exagero nenhum) mais de mil promessas de compra e de divulgação (só no Orkut, meu círculo de amigos ascende a 700 pessoas). Até aqui, todavia... Ambos seguem uma trajetória que poderá transformá-los num monumental encalhe. As obras são boas? São ruins? O julgamento não me cabe fazer. Pessoalmente, acho-as geniais. Se não achasse, seria tremenda incoerência da minha parte decidir publicá-las. Compete, porém, a você, amigo leitor, com o qual continuo contando, mas cada vez mais descrente, aferir a qualidade de “Cronos e Narciso” e “Lance Fatal”. Mas, para isso, precisará lê-los. E para lê-los, terá que comprá-los. É assim que a coisa funciona.

Há quem ache que faço gênero quando classifico esse talento natural com que nasci e que com o tempo desenvolvi e procurei (ainda procuro) melhorar, que é o de escrever, maldição e não bênção. Dizem que sou exagerado e nessas oportunidades, “melodramático” até. Pode ser. Mas ocorre que essas pessoas nunca escreveram (e, portanto, jamais publicaram) um livro. Não têm noção do tamanho da frustração de um escritor quando aquilo que escreveu com tanto carinho e entusiasmo não chega às mãos do legítimo destinatário: o leitor. É um sufoco! É um sapo grande demais para ser engolido. Sabem, porém, o que é mais engraçado de tudo? Estou repetindo o mesmíssimo processo para lançar dois novos livros até meados de 2011. Esse talento é ou não é maldição?! Ou, quem sabe, um vício?

Boa leitura.

O Editor.

2 comentários:

  1. Escrever é uma benção Pedro, o que seria de nós
    leitores se não fossem por vocês abnegados e
    persistentes Quixotes?
    Abraços

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  2. Acredito ser vício, e dos mais virulentos. Um amigo fez uso de um comprimido anti-depressivo, prescrito por médico psiquiatra de nome EFEXOR. O prazer sentido quando o efeito da droga aconteceu foi tão intenso que ele pensou na hora, e depois me contou: " Como eu pude viver até aqui sem isso"? O abuso quase o levou a morte, após acabar com seu casamento, impedir o término da faculdade e fechar uma loja bem importante no mercado, com altas dívidas. A diferença do nosso assunto aqui, é que o encalhe de livro causa bem menos estragos, e há possibilidade de acontecer uma mágica. Tudo nos preparativos é racional, exceto o motivo das pessoas decidirem comprar ou não.Isso foge da sua governabilidade, caro Pedro.

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