quinta-feira, 30 de setembro de 2010







Marés da vida


* Por Pedro J. Bondaczuk


O escritor Jonathan Swift, cujo humor refinado deu brilho à literatura mundial, escreveu que "não há nada constante neste mundo, a não ser a inconstância". Aos mais desavisados pode parecer que se trata de simples jogo de palavras. Mas não é. A sutil constatação está revestida de enorme sabedoria. Nossa vida é como a maré. Tem seus fluxos e refluxos, que se repetem até que sejamos atropelados pela fatalidade e nos afastemos do palco central e, na maioria dos casos, dos seus bastidores. Os sábios sabem administrar essa inconstância e não se desarvoram com os períodos de baixa. Nessas ocasiões, reúnem forças para que a subida seguinte seja mais intensa, mais vigorosa, mais duradoura.

Os que mais sofrem, e findam por se perder, são os vaidosos, os egolatras, os que não admitem que não sejam o centro do universo e das atenções dos que os cercam. São dignos de pena. Têm uma visão distorcida da vida e dos objetivos da existência. São vulneráveis exatamente por sua vaidade. Tratamos, em crônica recente, da questão da fama e dos que não sabem administrar essa notoriedade que tanto procuram. Quando a perdem, tornam-se amargos, frustrados, revoltados e até perigosos. Julgam-se injustiçados, perseguidos, sabotados. Tornam-se paranóicos. Todos conhecemos alguma pessoa assim. São as que, no afã de ser felizes, mas sem competência para conquistar essa situação, mergulham de cabeça na infelicidade.

Tempos atrás, ao escrever matéria sobre os dez anos da explosão do ônibus espacial norte-americano Challenger para o jornal em que trabalho, pude refletir sobre a inconstância em minha profissão. Para redigir o referido texto, tive que recorrer ao arquivo. Utilizei as páginas sobre o mesmo assunto que editei há uma década. Na ocasião, mesmo sem a experiência e o conhecimento que tenho hoje, eu era considerado um "nome" no jornalismo da cidade. Minhas opiniões, publicadas diariamente, eram temas de conversas nas rodas de intelectuais. Vivia assediado para fazer palestras, participar de jantares e tomar parte em outros tantos eventos.

O tempo passou... A maré da vida baixou... Hoje, esse mesmo Pedro, agora melhorado pela vivência e conseqüente experiência, não passa de um funcionário a mais de uma enorme equipe, no exercício de uma função virtualmente burocrática, que não condiz com seu preparo. Claro que essa situação é um golpe para o meu ego. Mas nem por isso devo ficar frustrado. Pelo contrário. Devo executar a tarefa que me foi destinada com empenho e dedicação, como se fosse vital para o jornal e para a comunidade. "Só quem é fiel no pouco, consegue sê-lo no muito", diz um preceito bíblico. E não posso nunca me esquecer que sou dispensável. Felizmente, ninguém é insubstituível. É certo que algumas dessas substituições representam retrocesso qualitativo. Mas quem é que liga?! O mundo não pára somente por isso.

Costumo ficar atento no "acaso". Alguns, chamam-no de "destino", outros, de "sorte", mas o nome é o que menos importa. Sua manifestação é que é importante. Sua ação pode nos colocar no centro dos acontecimentos e nos transformar instantaneamente em heróis imortais ou nos suprimir a vida. Sob sua influência podemos nos tornar ricos, poderosos e famosos ou cair na indigência, na humilhação, no ostracismo. Esse fator aleatório é o que propicia ou suprime oportunidades.

Portanto, há imensa sabedoria na observação de Swift, como ademais em tudo o que esse escritor nos legou. A inconstância é rigorosamente constante. Convida-nos a sermos prudentes e a tratarmos os que nos rodeiam com bondade e gentileza, sejam eles quem forem. Os que maltratarmos na subida serão os mesmos que nos pisarão a cabeça quando da descida. Quem sabe o que quer, quem traça um roteiro para a sua vida e é maleável para modificar o rumo quando for necessário, quem tem energia para produzir, talento para criar e autodisciplina para evoluir espiritualmente, não tem o que temer.

Pessoas com esse estofo jamais irão empinar o nariz, achando que são melhores do que as outras. Nunca irão se deixar levar pelos louvaminheiros de plantão. Em circunstância alguma assumirão ares de superioridade diante de quem quer que seja. Saberão colher estrelas-do-mar na areia, quando as marés baixarem. Navegarão com audácia quando elas subirem. Serão, mesmo que os outros não admitam de imediato, vencedoras. Conquistarão um lugar cativo no coração do seu povo.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com

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O que comprar:

Cronos e Narciso (crônicas, Editora Barauna, 110 páginas) – “Nessa época do eterno presente, em que tudo é reduzido à exaustão dos momentos, este livro de Pedro J. Bondaczuk reaviva a fome de transcendência! (Nei Duclós, escritor e jornalista).

Lance fatal (contos, Editora Barauna, 73 páginas) – Um lance, uma única e solitária jogada, pode decidir uma partida e até um campeonato, uma Copa do Mundo. Assim como no jogo – seja de futebol ou de qualquer outro esporte), uma determinada ação, dependendo das circunstâncias, decide uma vida. Esta é a mensagem implícita nos quatro instigantes contos de Pedro J. Bondaczuk neste pequeno grande livro.

Como comprar:

Pela internet
WWW.editorabarauna.com.br – Acessar o link “Como comprar” e seguir as instruções.
Em livraria – Em qualquer loja da rede de livrarias Cultura espalhadas pelo País.

3 comentários:

  1. Muitos ainda se afogarão nas marés da vida.
    E há muito o que se aprender, pelo menos para aqueles
    que humildemente admitem que estão longe de serem
    mestres e que assim como qualquer mortal temos
    muito "chão" pela frente.
    Abraços

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  2. Só com muito jogo de cintura lidamos bem com as mudanças que a vida traz. Tarefa nada fácil, mas adquirimos flexibilidade com o tempo, ainda que seja na marra. Belo texto, muito profundo. Abraços, Pedro!

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  3. Quando Lula virar Luiz acontecerão mudanças difíceis de ele suportar. Algumas dessas colocações ditas aqui servem ao presidente. Grandes personagens, após a aposentadoria, não conseguiram ser grandes pessoas. Cairam dos próprios pés.

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