quinta-feira, 14 de junho de 2018

Pedra de amolar - Alexandre Marino


Pedra de amolar

* Por Alexandre Marino

Uma pedra
exilada de seu berço
qual regato? Que fundo de rio?
Que borda de serra? —
veste roupa, conquista um nome
e nova missão sobre a terra:
dar vida à lâmina
que imortaliza a laranja
com o perfume do sumo.

As grosseiras mãos de um velho senhor
preparam o canivete
para o corte do fumo,
e a pedra
permanece desperta
sem cansaço ou ardor.

Testemunha silente,
a pedra oferece a pele
ao renascer da faca
e observa, alheia,
a chuva no terraço, goteiras na sala,
o sol a queimar as samambaias
e as lâminas cegas de velhice,
sobreviventes
ao homem trêmulo
e impotente,
que tenta afiar o olhar
na pedra de amolar.

Um dia, nos escombros do futuro,
em certo altar abandonado,
entre paredes e entulhos
de um alpendre, um terraço,
ossos, restos, rastros sobre a terra,
irremediavelmente oculta
ou apenas insepulta,
lá estará a pedra
insone,
a recordar, sem saudade,
um regato, um leito de rio,
uma borda de serra.


* Jornalista e poeta residente em Brasília, onde trabalha na Assessoria de Comunicação Social do Ministério de Educação. Autor dos livros “Poemas por amor”, “Arqueolhar”, “O delírio dos búzios”, “Todas as tempestades” e “Os operários da palavra”.



Nenhum comentário:

Postar um comentário