quarta-feira, 20 de junho de 2018

Por favor, não diga não te quero mais! - Mara Narciso


Por favor, não diga não te quero mais!

* Por Mara Narciso
 
É possível voltar atrás e pedir outra chance, mas convém? O senso comum sugere que, o ciclo se fechando, deve-se virar a página e começar outro capítulo. Pode ser inútil remendar pano furado ou colar cacos, especialmente em casamentos falidos. O recomeço traz esperança de mudança. Caso ocorra, pode esperar, será para pior. Escreva aí. Caso seja preguiçoso, volta com mais preguiça; caso seja desleixado, nem banho vai tomar; se não gosta de pagar contas, passa a dizer: “quando tenho dinheiro não quero pagar e quando quero pagar não tenho dinheiro”. Isso para falar dos defeitos miúdos que podem ser publicados. Então, os remendos, mesmo cerzidos com capricho e acerto, duram apenas mais um período, para outra vez machucar o peito numa nova separação. Do arrependimento vem a constatação: minha ferida tinha sarado e agora está aberta outra vez.
 
Amigos, amigos, negócios a parte. Quando quiser perder um amigo, faça dele seu sócio. Por mais correto e confiável que seja, é melhor não inventar. Muitas sociedades profissionais dão certo e a dupla enriquece junto, mas, são frequentes rupturas debaixo de saraivadas de balas, verbais e algumas vezes de fato. Depois disso, não há como manter a amizade.
 
Há quem faça pouco caso no outro. Ainda assim, arrisca-se a namorar a pessoa. Arrasta o relacionamento um tempo e depois vem o fim. O lado preterido sofre, mas acaba se convencendo que foi uma benção divina se libertar daquele encosto para sempre. Mas, para sempre é tempo longo demais. Adiante, a pessoa se esquece das dificuldades e o que a irritava no relacionamento e recomeçam os convites para sair. Volte ao primeiro parágrafo. O que era ruim, anos depois só pode estar pior. Não se iluda com o personagem idealizado por um momento carente. Não vá. Caso resolva colocar a figurinha repetida na sua vida, siga na reprise, mas não se iluda. Para os dramáticos cuja sina seja sofrer, apegue-se a essa pessoa mais uma vez, porém não reclame quando o fracasso acontecer. Há quem goste de se apegar a uma casa em ruínas, ou a um objeto em chamas, assim como existem pessoas violentas, que ficam a beira de apertar o pescoço da outra ou o gatilho. Caso seja facultada outra chance, não será difícil a explosão, tantas vezes próxima, se concretizar.
 
Mudando para a infância, a minha prima Vânia Marly tinha sete anos. Morávamos no mesmo prédio. Ela tinha um boneco de borracha, chamado Tonico. Era um brinquedo feio, daqueles feitos a partir de um molde ruim, sem detalhamento, de braços colados ao corpo e que apitava ao ser apertado. Vestia uma camisa branca de mangas compridas e uma calça azul, pintadas sobre o corpo. Apesar disso, Vânia amava aquela feiura e não largava o pobre. Abriu um buraco na altura da boca do boneco e enchia o coitado de comida, que apodrecia lá dentro. Um dia, ela soube que seus padrinhos ricos João e Mônica viriam de Brasília visitar a família e lhe trariam uma boneca. Ficou sonhando como seria, imaginando a carinha dela, e como se sentiria feliz em ter nos braços uma nova filhinha. No dia da chegada, a expectativa atingiu seu grau máximo. A menina andava para lá e para cá no pequeno apartamento. No clímax da expectativa, foi aos brinquedos e pegou Tonico. Olhando-o com desprezo, descartou o rejeitado na lata de lixo. Tempos depois chegaram os tios com o esperado presente. Entregaram o magnífico pacote em papel brilhante, que, ao ser visto iluminou o rosto de Vânia. Porém, depois de aberto e olhado rapidamente, seu conteúdo, ainda na caixa transparente, foi abandonado sobre o sofá. Seu rosto murchou, a decepção tomou conta dela, que, largando a boneca branca japonesa, com seu quimono vermelho, daquele tipo de enfeitar a casa, chorando voltou ao lixo para buscar seu amado Tonico.
 
* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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