Quem
tira foto sabe que alguém quer vê-la
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Por Thiago Cury Luiz
Cada
vez que uma cobertura sensacionalista vem à tona, chega-se à
conclusão de que essas coisas de ética não se ensinam em sala de
aula. Estão contidas na atuação do profissional (e do
antiprofissional) as experiências de toda uma vida. A formação do
indivíduo como pessoa e a sua concepção de mundo estão em jogo,
muito mais do que as aulas semanais da disciplina de Ética e
Legislação que o sujeito teve ou deixou de ter ao longo de um
mísero semestre da faculdade.
Quando
a imagem chocante, seja ela estática ou em movimento, não carrega
consigo informação, a sua intenção é meramente a do espetáculo.
Crânios desfigurados e corpos esquartejados não informam, só
estarrecem. Nessas circunstâncias, o texto (e olhe lá!) necessita
dar conta dos requintes de crueldade. Na maioria dos casos, o
indicado é executar o mais simples: “Fulano, 40, médico, sofreu
um acidente na rodovia Castelo Branco e não resistiu aos ferimentos,
vindo a falecer no caminho para o hospital. A vítima, que morava em
São Paulo, estava em alta velocidade quando perdeu o controle do
veículo, caindo na ribanceira”. Uma ou outra informação
adicional, mas sem detalhes sobre a situação do(s) corpo(s) do(s)
envolvidos(s).
Registrar
imagens e publicá-las são atividades acessíveis a muitos hoje
(especificamente a quem tem, no mínimo, um celular com câmera e um
pacote de internet móvel). A isso se dá o nome de jornalismo
cidadão – expressão com a qual eu não concordo, pelo fato de
haver um abismo entre compartilhar imagens e relatos na web, ainda
que de interesse público, e o trabalho jornalístico. O modus
operandi da
imprensa transcende a meras questões mórbidas e de tecnologia.
Falamos aqui em apuração, clareza, verossimilhança, interesse
público e os limites básicos que qualquer atuação profissional
requer.
Noção
da realidade
Importante
destacar que o sensacionalismo não se materializa apenas numa imagem
grotesca marcada por destruição e sangue. O sensacionalismo está
no discurso apelativo, piegas e mal feito, buscando artificialmente
sensibilizar a massa. Está, também, na repetição constante de
imagens, ainda que estas não contenham qualquer tipo de tragédia.
Enfim, o sensacionalismo é o recurso dos menos capazes, usado quando
todas as alternativas já foram implementadas ou quando as mesmas são
desconhecidas, pois carece o seu autor do repertório técnico,
teórico, ético, científico e filosófico da área. Talvez falte,
de igual modo, um tiquinho de sentimento, zelo pela comoção alheia,
o que convencionamos chamar de humanidade.
Isso
à parte, é desanimador saber que muita gente em meio à sociedade
se satisfaz com essas aberrações (lembra-se do efeito catártico?:
o sujeito se impressiona com a cena, mas fica inconscientemente
aliviado, pois a vítima não foi ele, e sim o outro). O
sensacionalismo nada mais é do que a vertente utilitarista do
jornalismo: ele faz um trabalho que podemos julgar imoral, mas visa
tão somente a maximização da felicidade. Ou seja, se a maioria
aprova a ação (e isso, no jornalismo, dá-se com audiência), não
importa se ela – a ação – é ou não questionável. O
utilitarismo tem como fundamento central o resultado, e não a
intenção baseada em princípios racionais. Já o intencionalista
age movido pelo pressuposto da deontologia. Isto é, dane-se o
resultado, o objetivo final, os índices de audiência. A bandeira do
deontólogo é realizar o dever por amor ao dever, e
temos aí cristalizado o imperativo
categórico, expressão
mais que consagrada do filósofo alemão Kant.
Por
tudo isso, ao me perguntarem qual a utilidade das disciplinas
teóricas num curso de jornalismo, ao deparar com estudantes
desprezando as matérias mais pesadas, eis aí uma boa resposta:
Filosofia, Sociologia, Economia, Antropologia, Teorias da Comunicação
e pastas afins têm como função abordar o campo da comunicação
sob a sua dimensão mais crítica. A ideia de faculdade é
justamente essa: a de proporcionar uma noção mais horizontal e
ampla da realidade, permitindo que se contextualize o fato com os
diversos campos do conhecimento. Por isso, os cursos técnicos, no
âmbito das ciências humanas e sociais aplicadas, são
insuficientes. Saber apertar botão, enquadrar imagem, postar-se
diante da câmera, imprimir o tom de voz adequado, constituir
o lead não
bastam para cumprir a tarefa de informar.
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Jornalista e professor.
A audiência anda fugindo de tragédias cruas, mas há quem goste e se divulga é porque acha bom. Quem entende essas taras?
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