Cena qualquer 2
* Por Márcio Juliboni
Já eu não suporto risoto
fora do ponto, diz ela com esgar. Olha firme os convivas, pois a
situação apresentada requeria seriedade. Noite quente, rodinha de
amigos no jardim bem cuidado “pelo meu jardineiro Seu Zé, uma
gracinha ele, menina” e criado pelo
famoso-paisagista-que-projetou-o-paisagismo-daquele-prédio-famoso-você-sabe-né.
Vinho e música de bom-gosto. Pois imagine que, outro dia, estava no
restaurante de minha irmã e não me contive. Quando o chef veio me
perguntar o que achei do jantar, eu tive que dizer: “Olha, me
desculpe, mas o seu risoto passou do ponto! Cozinhou dois minutos a
mais”. Ah, não, gente, tem coisa que não dá, né? Cabeças
acenam com pesar. Sim sim sim. É, não dá. Nem pensar... sim sim.
Fez certo. Faria o mesmo. Mas é claro!
Comigo, o negócio é vinho,
continua o amigo. Cara, não consigo mais beber se não for a taça
certa! Deus me livre! Depois que a gente se acostuma, não dá mais!
Ah não! Você pega um vinho com alma, encorpado... aquele.. olha
para sua taça....esse! Esse aqui! – o dono da casa sorri
satisfeito com a aprovação do vinho pelo amigo, sim, está sendo um
bom anfitrião – Enfim, o amigo continua, você pega esse vinho e
coloca em uma taça errada... não... não dá. Descaracteriza tudo!
É como comer risoto com talher de peixe! Os amigos gargalham,
concordando. Ele sorri, satisfeito com a comparação. Olha para a
taça em suas mãos, lembra-se da coleção de taças que ganhou de
presente – um par para cada tipo de vinho-, bebe vagarosamente um
gole e se refestela na cadeira, enquanto os outros aguardam,
ansiosos. Ergue a taça, num brinde. Viva
a Riedel! Viva!
Viva!
O vento agita cada vez mais
cabelos e toalhas de mesa. Plantas dobram-se. Gotinhas. Gotas. Muitas
gotas. Chuva. Todos correm para o living. Maldita chuva, gritam
alguns. Porra, que merda! Logo agora! Recolhe o vinho! Cacete, meu
charuto! Ai, meu cabelo! Fiz escova hoje! Que merda! Nem parecia que
ia chover. Tava uma noite tão bonita, não tava? É, tava. Não
tava. Tava. A lua tava bonita, diz o mais tímido de todos, aquele
que sempre sentava no canto e ria baixinho. Os convivas se exasperam.
Por que convidam esse mala até hoje? Nada a ver... E eu sou lá de
ficar olhando a lua, meu!? Faz favor! Tenho mais o que fazer, diz um
deles, contendo-se para não emendar um "é por isso que você é
o único duro da turma, mané", enquanto vira-se pra outro:
bicho, bicho, já falei pra não cortar o charuto
assim, caralho...
*Jornalista, cobre Economia
e Negócios no portal Exame. Trabalhou no serviço de notícias
online, “Panorama Setorial”, do jornal Gazeta Mercantil, na
Agência Estado e em várias revistas segmentadas. Iniciou a carreira
na grande imprensa em 2000.
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