Como
seria um apartheid nordestino?
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Por Fernando Soares Campos
Li
no site do Observatório da Imprensa nota intitulada "Hamas usa
sósia de Mickey em campanha contra Israel ". Militantes do
Hamas estariam usando uma réplica do ratinho símbolo da Walt Disney
Company "para divulgar mensagens da dominação islâmica (sic)
e da resistência armada para o público infantil em um programa da
emissora de TV al-Aqsa chamado Pioneiros do Amanhã ". A
imitação do Mickey se chama Farfour.
Este
foi o trecho da matéria que mais chamou a minha atenção:
"O
programa conta também com a participação de crianças, cantando
hinos sobre a luta contra Israel – que há muito tempo vem
reclamando que os canais palestinos incitam ódio ao povo israelense.
David Baker, porta-voz do primeiro-ministro israelense Ehud Olmert,
afirmou que `não há nada cômico sobre ensinar novas gerações de
palestinos a odiar israelenses´. Mark Regev, porta-voz do ministério
do Exterior, acusou os palestinos de não assumir o compromisso de
parar de incitar ódio contra Israel. `As crianças aprendem que
matar judeus é algo bom´, diz."
A
contrapartida
Em
2006 foram amplamente divulgadas na internet fotos de crianças
israelenses escrevendo mensagens nos mísseis que seriam lançados
contra as posições palestinas no Líbano. Crianças e adolescentes,
usando batom e lápis de desenho, aparentemente descontraídas,
escreviam mensagens nos petardos e conversavam com os soldados. Ao
lado, seus pais acompanhavam a visita ao front, provavelmente
orgulhosos de verem seus filhos se instruindo na arte da matar,
indiferentes à dor que possam causar.
Baseado
naquelas fotos, acredito que qualquer porta-voz do Hamas poderia
dizer que ali "as crianças aprendem que matar palestinos é
algo bom". Pelo visto, crianças de ambos os lados são vítimas
dos senhores do ódio e da intolerância, da ganância e da
prepotência.
A
globalização do medo
Hoje,
o conflito no Oriente Médio é tratado pela grande imprensa
brasileira apenas através das notícias frias, relatando as
atrocidades, porém geralmente transformando vítimas em culpados.
Nota-se que os intelectuais e mesmo artistas, escritores e figuras
notórias em geral evitam abordar o assunto em artigos de opinião.
Em
2003, para editar um documentário que estava produzindo para
exibição no 3º Fórum Social Mundial, o cineasta-publicitário
Kais Ismail solicitou apoio de uma universidade da Grande Porto
Alegre, a qual lhe cedeu as instalações e equipamentos de uma ilha
de edição. O documentário se intitularia "Palestina em
lágrimas". Ao término do trabalho, Kais pediu autorização da
universidade para inserir no vídeo um agradecimento à direção da
instituição; esta, no entanto, respondeu que colaboraria, mas
negou-se a aparecer como colaboradora.
Em
2004, Mohamad, brasileiro-palestino, 22 anos, primo-irmão do Kais
Ismail, foi assassinado na Palestina com 30 tiros de M-16
(metralhadora americana), disparados por sionistas estrangeiros que
obedecem às ordens dos comandantes israelenses. Mohamad foi agredido
de tal forma que o seu braço esquerdo foi decepado a tiros. Kais foi
entrevistado por uma emissora de televisão brasileira. A primeira
pergunta do entrevistador foi: "O seu primo era terrorista?",
ao que o entrevistado respondeu: "O meu primo, certamente, não
era um garoto que corria a varrer as ruas para que os tanques de
guerra passassem e arrasassem tudo, pelo contrário, o que ele fazia,
era tentar barrar estes tanques e defender sua família, desde
criança, atirando pedras."
O
publicitário Kais ainda nos informa: "No último programa do
Fantástico (Rede Globo) do mês de novembro de 2004, foi exibida uma
matéria que, como num passe de mágica, fez com que toda a imprensa
não tocasse mais no assunto e curiosamente procurei agora, há
pouco, no site do Fantástico a matéria do dia 28.11.2004 e não
encontrei nada". Sumiu! Escafedeu-se!
Já
imaginou uma "Faixa do Piauí"?
Aqui
neste Brasil de todo mundo, a maior miscigenação do Planeta, a
gente fica indignado com o que fazem com as populações pobres, que,
nos grandes centros urbanos, são empurradas para os morros e
alagados, onde se aglomeram em favelas que não oferecem as mínimas
condições de habitabilidade. São ambientes insalubres, onde falta
de tudo: segurança pública, escolas, postos de saúde, áreas de
lazer e até mesmo acesso independente às residências. Também
acompanhamos as marchas dos sem-terra, forçando a barra para ocupar
latifúndios improdutivos, apesar de formados por terras férteis,
com muita água e estradas para o escoamento das produções.
Já
ouvi muita gente do povo perguntando sobre a guerra no Oriente Médio,
pessoas que dizem não entender como é que se briga tanto por uma
terra que, em grande parte, não passa de desertos aparentemente
inóspitos. O nosso povo é assim mesmo, está acostumado a "ver"
a fartura de terras produtivas em nosso país, mesmo que
verdadeiramente concentrada nas mãos de poucos.
Ainda
bem que o nosso movimento dos sem-terra e sem-teto não é formado
por poderosos fascistas apoiados pelo poder global dos EUA e UE.
Imaginemos que esse poder resolvesse fundar em terras brasileiras um
estado para algum dos seus povos protegidos. Então, baseados na
Carta de Pero Vaz de Caminha, ou mesmo no Tratado de Tordesilhas,
reivindicasse, por exemplo, o Nordeste Brasileiro para fazer tal
assentamento e fundação do novo estado. A primeira providência,
creio, seria criar a "Faixa do Piauí", onde seria
concentrado o povo autóctone, romeiro do Padre Cícero e devoto de
Frei Damião. Duvidam que isso possa um dia vir a acontecer?! Pois
não duvidem! Lá na Palestina tem um povo encurralado vivendo nessas
condições.
Como
seria o "apartheid nordestino"?
Lá
no Oriente Médio a cidade de Belém, sede da Natividade, é hoje uma
cidade sitiada e, a mau exemplo da fronteira dos EUA com o México,
cercada de muros de oito metros de altura. Aqui, eles cercariam a
cidade de Juazeiro do Norte, a "meca nordestina", onde os
romeiros reverenciam o Padim Ciço.
Israel
instituiu quatro tipos de carteiras de identidade para palestinos: os
de Ghazaa não podem sair da Faixa, os da Cisjordânia não podem vir
a Jerusalém, os de Israel não podem entrar nos Territórios
Palestinos Ocupados e os do Vale do Jordão também não podem sair
dessa área para visitar as demais regiões. Nesse caso, o apartheid
nordestino seria mais ou menos nos seguintes moldes: cabeça-chata do
Sertão não poderia visitar o Agreste nem a Zona da Mata, exceto na
época do corte de cana; empregados domésticos em Recife, para se
dirigirem ao trabalho, seriam obrigados a usar os velhos túneis que
os holandeses construíram durante a ocupação, no século XVII.
Para
manter o terror, caças F-16 Fighting Falcon, toda noite,
sobrevoariam a "Faixa do Piauí", roncando suas turbinas,
lembrando o desfile de tanques do tipo Merkava Mk 3 durante o dia.
Mas
quero que todos saibam que nós, nordestinos, somos muito bons no uso
de estilingue. E pedra é o que não falta lá no Piauí. Além
disso, religioso como nosso povo é, tá assim de Davi no Nordeste!
Pelo
sim, pelo não, estão avisados!
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Jornalista e escritor
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