Sem carregar nas tintas
Victor
Hugo escreveu, certa feita, que “não há nem ervas daninhas, nem
homens maus. Há apenas maus cultivadores”. Talvez tenha exagerado,
sei lá. É possível que haja sido excessivamente otimista e
exageradamente complacente com as taras e fraquezas humanas. No
fundo, no fundo, todavia, concordo com ele. Somos produtos do
ambiente em que nascemos, crescemos e vivemos, das circunstâncias
positivas e negativas que envolvem nossas vidas e da educação, no
sentido amplo do termo, que recebemos (ou deixamos de receber, quando
o caso).
Não
creio em maldade inata e latente. Ninguém nasce bom ou mau. Nasce
vulnerável e desamparado e tem que aprender desde como sugar o leite
materno para se alimentar, até a sentar-se, engatinhar, andar, falar
etc.. Se quisermos, de fato, melhorar o mundo, temos que ser peritos
“cultivadores” de virtudes e atitudes sadias. Para tanto, óbvio,
precisamos tê-las. É questão não apenas de prudência, mas até
de lógica, educarmos as novas gerações para a solidariedade e o
bem.
Se
alimentarmos o mal – quer por ação, quer por omissão – é
possível, se não provável, que venhamos a ser vítimas dele. Nada
nos garante, por exemplo, que um desses tantos malucos de pedra que
circulam por aí, com a mente intoxicada de ódio, revolta e cobiça,
não nos suprima, subitamente, a vida, pondo fim a todos nossos
sonhos e ilusões. Por mais que venhamos a nos prevenir, jamais
estaremos totalmente a salvo desse aleatório evento.
Há,
pois, tanto ódio, tanta miséria, tanto preconceito e tanta
violência no mundo por obra apenas dos próprios homens. O mal não
está no ar que respiramos, nem na água que bebemos, muito menos no
alimento que ingerimos e sequer na terra em que pisamos, que um dia
acolherá nossos restos mortais. Está no interior do coração
humano. Por isso, pode ser controlado, quando não extirpado. Pelo
menos teoricamente.
Para
isso, o homem conta com o livre arbítrio. Pode decidir, livremente,
soberanamente, sobre a natureza dos seus sentimentos e ações. Mas
tem que arcar com as consequências. O escritor William Thackeray
observa que "o mundo é um espelho. Devolve a cada homem o
reflexo de seu próprio rosto. Encare-o carrancudo e ele o olhará
com amargura; ria para ele e com ele, e ele lhe será alegre e gentil
companheiro".
Quais
são os verdadeiros males que nos afligem, os inevitáveis, os que
existem desde o surgimento do homem e que sempre existirão? De
acordo com a escritora Marguerite Yourcenar, com a qual concordo, são
“a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não
correspondido, a amizade recusada ou traída, a mediocridade de uma
vida menos vasta que os nossos projetos e mais enevoada que os nossos
sonhos”.
Há
outros, sem dúvida, como a violência, a brutalidade, o crime, a
marginalidade etc.etc.etc. Embora haja quem não concorde, todavia,
todos eles são perfeitamente evitáveis. Podem ser eliminados da
Terra com uma educação generalizada, universal e correta. E com o
cultivo de valores, com a consciência da necessidade da
solidariedade em relação aos mais frágeis, com o irrestrito
respeito aos direitos alheios, com o cuidado à natureza e ao Planeta
em que habitamos e, sobretudo, com a substituição do insensato
egoísmo pelo absoluto altruísmo. Tudo isso é possível?
Potencialmente, sim! Mas na prática...
E
por que trago esse assunto à baila num espaço de literatura e não
de comportamento? Porque nós, escritores, trabalhamos, a todo o
momento, com esses conceitos a princípio abstratos: o bem e o mal.
Criamos personagens ora bondosos, ora maldosos, aos quais procuramos
dar o devido equilíbrio, para torná-los, mesmo que minimamente,
verossímeis. Para tanto, temos que encontrar a “medida certa”, o
que, convenhamos, não é tarefa nada fácil. Não podemos “carregar
nas tintas” nem num e nem noutro sentido. As pessoas comuns não
são nem totalmente más e nem revestidas de absoluta santidade
(salvo raríssimas exceções, se é que existem).
Não
sei como vocês procedem, todavia eu levo, às vezes, até meses para
criar os personagens das minhas histórias. É um processo lento e
penoso de elaboração para o qual valho-me, além da observação,
da memória, ou seja, de ingredientes meus, próprios, e de leituras
etc.etc.etc. Não raro, alguns têm que ser “abortados” e
recriados, por não apresentarem a desejada verossimilhança. Conta
muito, nesse processo, o “tempo” em que o enredo transcorre. Mas
há que se ter cuidado nesse aspecto para não superestimar as
gerações anteriores à atual, num sentido ou em outro..
Afinal,
o homem contemporâneo é tão, ou na verdade muito mais brutal do
que nossos mais remotos ancestrais, inclusive os primitivos
habitantes das cavernas. Teoricamente, a educação e o crescente
acesso às informações, ditados pela fantástica evolução da
tecnologia, deveriam reduzir, se não eliminar, todo e qualquer tipo
de brutalidade. Não é, porém, infelizmente, o que acontece. Muito
pelo contrário.
A
História registra, por exemplo, guerras e mais guerras, ferocíssimas
e sanguinárias, pelo menos desde a invenção da escrita. As que
ocorreram anteriormente ficam, apenas, por conta da nossa imaginação.
Mas nenhuma das atrocidades de um Átila, de um Alarico, de um
Genserico ou de tantos e tantos outros ferozes matadores sequer se
compara, e nem de longe, ao Holocausto, da Segunda Guerra Mundial, ou
aos massacres ocorridos ainda recentemente na Bósnia, em Kosovo, na
Chechênia e, notadamente, no Iraque e no Afeganistão. Isso para não
falar do lançamento das duas bombas atômicas que arrasaram em
minutos as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, matando,
instantaneamente, quase duzentas mil pessoas em dois únicos ataques.
Por
isso, não tenho como deixar de dar razão ao escritor peruano, Mário
Vargas Llosa, que constatou: “A brutalidade constitui uma das mais
constantes heranças humanas, que o desenvolvimento absolutamente não
elimina”. E aduziria, desolado: “infelizmente”. É a esse
aspecto que nós, escritores, temos que ficar atentos ao criarmos
nossos vilões, para que eles não sejam ridiculamente “bonzinhos”
e nem perversos e incontroláveis homicidas além da conta. Nosso
papel, afinal de contas, não é o de fazer apologia do mal, mas de
contar uma história que, se possível, traga algum proveito ao
leitor. Voltarei a tratar do assunto.
Boa
leitura.
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Ainda não criei nenhum personagem. Estou passando da hora.
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