Entre
a natureza e o concreto
Nascemos
na lama rica do mangue e sobre ela crescemos. Antes um istmo, hoje
ocupamos toda a planície que o rio criou e o homem, com a força e a
ambição que Deus lhe deu, ajudou. Se isso foi bom ou ruim, talvez
seja uma questão de visão ou de opinião íntima definir.
Talvez até mesmo o suposto caos que hoje enfrentamos seja o
prenúncio de outros tempos ainda maiores virão.
Estaremos preparados? Sinceramente, não sei. Do caos ao mangue ou do mangue aos caos vivemos numa cidade entrelaçada com as águas. E nesse embate entre o que as linhas tortas que a natureza criou e o que as linhas retas da compreensão humana alterou ou inventou, ficamos nós respirando e querendo sobreviver. Enquanto isso, a beleza do cenário pode ser encontrada e admirada na sua plenitude.
Ao olhar puramente contemplativo talvez não caiba o questionamento politicamente correto. Viver não significa necessariamente indagar ou criar oposição imaginativas. O olhar reto e direto não necessitaria de retificações. Entre a natureza e o concreto, talvez as águas claras do rio escorram sem a necessidade de interpretações como sintomática e diuturnamente o tempo faz. E ninguém a ele sobreviverá. Morrer sempre será preciso. A vida vive disso.
Por trás da copa das árvores a cidade simplesmente existe. E vista assim de longe mais parece um céu no chão. Para que servem afinal os detalhes deletérios da visão direcionada? Para nada, eu mesmo respondo. A não ser que queiramos alimentar a angústia, as justificativas para o sofrimento, as elaborações filosóficas inúteis e inquietantes.
Nascemos sobre a lama rica do mangue e um dia ao pó voltaremos. Que o tempo a nós oferecido entre estes dois atos extremos seja repleto de alegria e êxtase. Deixemos o olhar vagar por todo o cenário como se a nada buscasse, como se apenas quisesse usufluir da plasticidade do momento que se nos oferece.
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Poeta, jornalista e radialista
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