Harmonias e
dissonâncias
A arte, qualquer uma, qualifica o ser humano. Promove-o de
mera criatura a criador. Confere-lhe grandeza, transcendência e magia. E não
importa a que categoria artística se dedique, se à música, à pintura, à
escultura, à dança, à arquitetura ou à literatura com os seus vários gêneros.
Todas elas requerem, além de técnica, capacidade tanto de observação, quanto de
interpretação, além da prerrogativa de se emocionar e, mais do que isso, de
transmitir a alguém (uma só pessoa ou multidões, não importa) essas emoções.
Desde criança fui educado para apreciar as artes e isso
ocorreu bem antes de descobrir que talento eu tinha (creio que todos têm um,
mas a maioria, por várias razões, nunca descobre qual é o seu). Nem sempre o
que sabemos fazer bem é o de que mais gostamos. No meu caso, embora tenha
alguma aptidão para a literatura, mais especificamente para a poesia (e jamais
vou saber a que ponto ela realmente chega), gosto mais, muito mais da música,
para o que não tenho o menor cacoete.
Fascina-me o fato de alguém conseguir reunir sons
aparentemente dissonantes (e o são, tomados de forma isolada) e com eles criar
harmonia. É a única das artes que lida o tempo todo com o abstrato, com o que
só o ouvido percebe, mas a vista não vê e o tato não apalpa. Considero, pois, o
músico (tanto o que compõe – principalmente ele – quanto o que executa as
composições) o mais refinado dos artistas, sem desmerecer os outros, claro.
Ademais, a música tem relação direta com a atividade
artística a que me dedico: a poesia. Não sei se isso ocorre com todos os poetas
(acredito que sim), mas quando componho um poema, ouço, em minha imaginação,
uma música ao fundo, que não conseguiria reproduzir isoladamente, só com a
melodia, mas que ganha coerência com o uso das palavras, com seus respectivos
sons, o que confere ou harmonia ou dissonância aos versos.
Já me perguntaram por que não transformo meus poemas em
canções. Ou por que não me dedico a compor letras em parceria com compositores
musicais. Até já tentei essa experiência e creio que me dei bem. Foi há um bom
par de anos. Todavia, a minha feroz autocrítica e a minha patológica
desorganização não permitiram que essas composições viessem a público e que as
pessoas julgassem se tinham qualidade ou não.
Por temor do ridículo, não as mostrei para ninguém,
prometendo, a mim mesmo, retificar as letras, aqui e ali, antes de
apresentá-las à crítica (ou à mera avaliação). Mas o que foi fatal, no caso,
foi o fato de eu ser, digamos, meio desorganizado. Guardei as partituras em
determinado lugar e me esqueci onde foi. E já revirei a casa toda inúmeras
vezes à sua procura, em vão. Dessa forma, fica irremediavelmente perdida essa
minha única aventura musical (embora não garanta que seja a última).
Muitos poderão me contestar quando afirmo que dissonâncias
também criam maravilhosas composições. Estes, certamente, ignoram os novos
caminhos da música erudita, divididos nas três correntes surgidas no início do
século passado: a Escola de Viena, que extinguiu a linguagem tonal; as
aventuras musicais de Bela Bartok, Chostakovich, Igor Fiodorovich Stravinsky e
Sergei Sergeievich Prokofiev, que romperam a barreira do processo tonal e
implementaram combinações instrumentais menos ortodoxas e, finalmente, o
Neoclassicismo, que nos levou à chamada pós-modernidade.
Justiça seja feita, porém, a Claude Debussy, um dos
precursores da reforma dos cânones musicais. Destaque-se, em especial, sua
“L’aprés-midi d’um faune”, peça inspirada em poema do mesmo nome de Stéphane
Mallarmé. De Stravinsky, que com Prokofiev foi o precursor do Neoclassicismo,
destacam-se composições como o “Pássaro de fogo” – ballet de 1910 baseado em
contos populares russos – “Petruchka” e “A sagração da primavera”, entre
outras.
E por que afirmei, no início deste nosso bate-papo, que só a
arte confere grandeza, transcendência e magia ao ser humano? A ciência também
não o faz? A filosofia idem? Fazem, é certo, porém com imensas, com inúmeras,
com insuperáveis limitações. A melhor explicação para a minha tese vem de
Monteiro Lobato, no livro “Serões da Dona Benta”, em que observa: “Se a nossa
inteligência é limitada e de todos os lados dá de encontro a barreiras, temos o
consolo de montar no cavalo da imaginação e galopar pelo infinito”.
Trata-se de um exercício que nada e ninguém conseguem impedir.
Ademais, minha matéria-prima é a emoção, posto que com leves pitadinhas de
razão. Por isso faço minhas as palavras de Le Corbusier, quando acentua:
“Aquilo que fica das atividades humanas não é o que serve, mas o que emociona”.
É isso aí! Sou artista e não mero artesão. Sou incapaz de produzir objetos que
tenham qualquer tipo de serventia. Para isso, porém, há milhões e milhões de
pessoas que fazem isso, e muito bem, por mim. Todavia (mesmo admitindo que não
o use com perícia), conto com o dom de emocionar (o que, convenhamos, não é tão
comum). Por essa razão, tenho fundadas esperanças de que a minha obra
sobreviva, e em muito – por décadas, por
séculos ou quiçá até por milênios – à minha pessoa. Amém!!!
Boa leitura!
O Editor.
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Poema musicado é a certeza de emoção.
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