Surpresas da
vida
* Por Pedro J. Bondaczuk
A vida nos apresenta, amiúde, surpresas de todos os tipos e
intensidades, algumas boas, outras ruins e outras, ainda, indiferentes. Há, por
exemplo, uma diferença enorme entre o que planejamos, em termos de profissão,
amores etc. e o que, de fato, conquistamos. Muita gente que sonhava em ser
médico, por exemplo, termina no jornalismo (é o meu caso). Outros, que queriam
ser jogadores de futebol profissional, têm que se contentar com um empreguinho
burocrático, atrás de uma escrivaninha. Outros, ainda, nem essa sorte têm. E
vai por aí afora.
Direcionamos nossos passos não tanto pelo que planejamos,
mas ao sabor dos acontecimentos que, ademais, em sua maioria, são aleatórios e
independem da nossa iniciativa. Poucos, pouquíssimos dos nossos planos são
bem-sucedidos e se concretizam exatamente da forma com que foram elaborados.
Consultando meu arquivo de recortes, topei com a seguinte
notícia, publicada no jornal Correio Popular de Campinas, em 26 de janeiro de
2004, que guardei para comentar oportunamente, e que ilustra, a caráter, essa
questão das surpresas da vida: “Um homem que ganhou US$ 57 mil em uma loteria
do Estado norte-americano de Indiana, na quinta-feira (22 de janeiro), morreu
horas depois de receber o prêmio, ao ser atropelado por uma caminhonete. O
programa de televisão apresentando Carl D. Atwood, de 73 anos, como vencedor da
loteria ‘Hooster Millionaire’ foi levado ao ar na noite de sábado a pedido da
família, informou Jack Ross, diretor da loteria. A transmissão foi concluída com
uma foto de Atwood acompanhada pelo texto: ‘em memória de Carl Atwood’. Atwood
ganhou o prêmio na quinta-feira, durante um programa de duas horas gravado em
Indianápolis. Horas mais tarde, ele foi atropelado por uma caminhonete quando
caminhava pelas ruas de Elwood, onde morava, até a loja onde comprou o bilhete
premiado”.
O leitor atento certamente percebeu a ironia que há por trás
dessa história real, que supera, em muito, qualquer ficção em termos de
desfecho surpreendente. Milhares de fatos semelhantes ocorrem, todos os dias,
mundo afora, com final idêntico ou até mais insólito. Todos estamos sujeitos a
surpresas tão dramáticas (e até extremas), que ocorram à nossa revelia, sem que
tenhamos condições de sequer reagir, quanto mais nos prevenir.
O senhor Atwood, certamente, deve ter sido um sujeito
equilibrado, trabalhador, bom marido e pai, que, como todos nós, tinha lá os
seus sonhos. Afinal, quem nunca sonhou com uma pequena fortuna que lhe caia
subitamente nas mãos, quando menos espere, originária de uma herança ou, como
no presente caso, de um bilhete premiado? Da minha parte confesso que se trata
de sonho até recorrente. Herdar, é verdade, não herdarei nada de ninguém, com
absoluta certeza. Não tenho nenhum parente rico que goste tanto de mim a ponto
de me legar, de mão beijada, tudo o que amealhou em vida.
Todavia, volta e meia, aposto na Megasena, na Timemania e em
tantas outras loterias – neste nosso País em que o jogo é (oficialmente)
proibido, mas onde há tanta jogatina –, na esperança de um dia vir a ser
bafejado pela sorte. O senhor Atwood, com certeza, não foi diferente. Embora a
notícia não revele, esta não deve ter sido a primeira vez que adquiriu bilhete
dessa loteria tão famosa em seu Estado.
E quantos planos não terá esse ancião, bem-vivido, do alto
dos seus 73 anos de idade, feito ao sair da casa lotérica?! Claro que não
sabia, e provavelmente, sequer intuía que ali estivesse a realização de um
sonho. Em que gastaria o dinheiro? Na compra ou reforma de uma casa? Na
aquisição de um carro do modelo do ano? Para financiar os estudos dos netos?
Para comprar alguma propriedade na Flórida, num desses tantos condomínios de
luxo, voltados para aposentados, nesse Estado de muito sol e calor, objetivo de
um em cada dez norte-americanos idosos? Pode ser que fosse tudo isso. Pode ser
que não fosse nada disso.
E a vida trouxe, em vez de uma, logo duas grandes surpresas
ao senhor Atwood. A primeira foi, sem dúvida, a da euforia de ter, finalmente,
em mãos, uma pequena fortuna. A segunda... foi fatal! Convenhamos, US$ 57 mil
não é tanto dinheiro assim que garanta a independência financeira de quem quer
que seja. Todavia, ganha, sem precisar fazer nada em troca, não é quantia a ser
desprezada. Calculo, pois, a euforia que o ancião sentiu ao saber que fora o
premiado.
Diz a notícia que o velhinho foi atropelado numa rua de
Elwood, onde morava, quando se dirigia para a casa lotérica. Se, em vez dessa
caminhada, fosse para casa, curtir com a família a euforia de ter sido
premiado, certamente ainda estaria vivo e em condições, portanto, de gozar da
pequena fortuna que tão subitamente lhe caíra nas mãos.
Mas... o senhor Atwood era uma pessoa grata. Provavelmente,
pretendia recompensar o funcionário da casa lotérica que lhe vendera o tal
bilhete sorteado. Foi quando a vida lhe aprontou a maior, a derradeira, a
definitiva das surpresas, representada por uma caminhonete desgovernada, que
pôs fim aos seus sonhos, ilusões, venturas e desventuras. Irônico, não é mesmo?
Irônico e, sobretudo, trágico!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa
do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001.
Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Também classificaria como ironia do destino e não surpresa.
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