Mais civilidade, por favor!
* Por
Mara Narciso
A revista Veja
decapitou Lula. É plágio, mas não é metáfora. Seguindo a incitação ao crime, as
pessoas estão esquartejando seus desafetos em rede social. Um retrocesso aos
tempos da Santa Inquisição. A fúria dos comuns atemoriza, e esse ódio não é
sentimento cristão. Desavença entre amigos, rupturas de relacionamentos, brigas
ideológicas ou escolha diferente de candidatos é suficiente para se rasgar a
carne do outro. Em termos políticos você pensa diferente de mim, então eu vou
matá-lo. Este comportamento domina a internet. Talvez a psiquiatria possa
explicá-lo.
Em todos os níveis,
tropeços são levados ao nível de crimes. Indícios não são provas, e o que se
vê? O desdobramento das ideias se faz em segundos, num imaginário que parece
inspirado em novelas. As pessoas, baseadas em suas paixões não economizam
insultos, argumentando de forma vil, e, usando palavras cortantes, são estúpidas
e jogam no colo do outro seus temores e defeitos.
Nas redes, muito se
fala em Deus, amor, amizade, solidariedade, mas no campo das ideias, as pessoas
perdem a compostura, apelam, agem de forma explosiva e a argumentação racional
some. Acabam por mostrar o quanto o ser humano pode ser vil, irresponsável,
cego, apaixonado e interesseiro. Não hesitam em fazer um linchamento, dando
pancadas, desmoralizando, ofendendo pesado aos seus inimigos. Após o
desnudamento e a execração, querem a execução. Seguindo o enforcamento moral é
fácil condenar à morte.
Inconsequentes, numa
frase humilham, quebram ossos, sangram, tiram o escalpe, pelam e esquartejam.
Vive-se o tempo em que ser cruel não tem limite, mostrando o lado fera
irracional, que muitos têm dentro de si. Agem de forma semelhante a um faroeste
à mexicana, no qual, figurativamente enterram indivíduos até o pescoço para
terem a cabeça pisoteada pelos cavalos.
Quanto menor a pessoa
em estatura moral, mais quer se superar em xingamentos. É preciso desmoralizar o oponente, roubar-lhe
as forças, dar-lhe facadas pelas costas, ou na cara. Em meio ao turbilhão de
insultos, caso apareça uma voz contrária, um solitário defensor, este é
devidamente massacrado pelas balas de canhão que mudam de rumo e acertam o
oponente. Como ousa discordar de mim?
Anônimos bem
intencionados e outros nem tanto, continuam entrando no mundo da política, um
lugar para profissionais que são despidos em praça pública e têm as suas vidas
esmiuçadas diariamente. A bem-vinda liberdade de expressão deu voz a todos,
porém muitos se deixam levar por instintos primitivos, giram a metralhadora e
destroem. Não param, mesmo quando o inimigo é derrubado. Tripudiam sobre o
cachorro morto, dando-lhes chutes. Agem de forma desumana, sentem-se heróis,
por esmagar o adversário.
Uma palavra mal
ouvida, uma injustiça cometida, já dói tanto, individualmente, quanto mais uma
legião caindo de pancada em cima de alguém para lhe triturar, arrancando-lhe a
dignidade e até a vida?
Pessoas comuns, sem
preparo para julgar, e sob efeito da paixão, erram tanto quanto os que querem
condenar. Difícil aceitar como normal a morte pública por crucificação. Ou por
degola. Não se trata de ser contra a lei, mas exatamente seu oposto, fazendo
valer o que ela diz. Espera-se que a Justiça faça o que lhe cabe: ser justa de
forma isenta, supra-ideológica e apartidária. E que isso aconteça às claras, à
vista de todos e em relação a qualquer um. Administrar conflitos é uma maneira
de ser civilizado.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Concordo. Mas a ira cega e o raciocínio obtuso está em ambos os lados.
ResponderExcluir