Coragem
* Por
Evelyne Furtado
De onde estava eu vi a
mulher curvada.
- Posição mais
estranha! Pensei. Mas continuei observando a intimidade vizinha.
Ela abraçava a si
mesma. Cabeça encostada aos joelhos, cabelos cobrindo o rosto, braços apertando
as pernas.
Ficou em seu ninho por
tanto tempo que meu voyeurismo cansou. Fui cuidar de outras coisas e a tarde
passou.
Escureceu na janela de
lá, porém a luz da noite era suficiente para ver que a mulher continuava
encolhida, ainda que em outra posição.
Aquela visão me afligiu
como nos afligem as dores mudas de quem se permite parar para sentir, em um
mundo que nos obriga correr dos sentimentos profundos. Sem mais poder fazer,
apenas respeitei.
Creio ter visto dias
depois a mulher rindo na companhia de amigos em um café do bairro. Para mim se
tratava da mesma pessoa em estado de alegria, em gestos soltos e expressão
confiante.
A mim foi concedida
compreensão de que a vida "ora aperta, ora afrouxa", como disse
Guimarães Rosa e conclui que viver requer da gente a mesma coragem tanto para
sofrer quanto para ser feliz.
*
Poetisa e cronista de Natal/RN
É bom ver a gangorra que cerca a existência. Num dia sobe, no outro desce. Bela escrita sobre essa oscilação, Evelyne.
ResponderExcluirDestaco: "de quem se permite parar para sentir, em um mundo que nos obriga correr dos sentimentos profundos."
Eu ando com medo de pensar, por receio sobre o que tal pensamento vai me trazer de sentimento. Seja superficial, seja profundo.
Boa conversa, poeta.