Bueiro
e o impeachment da presidenta Dilma
* Por
Clóvis Campêlo
Em tempos idos, Bueiro
já foi cabra respeitado no bairro do Cordeiro e adjacências. Hoje, asmático e
negro velho, vive pacífica e pacatamente no seu barraco.
Chama-se, na verdade,
José Carneiro. O apelido surgiu no tempo em que ainda era malandro atuante. Uma
noite, perseguido pela polícia, para escapar, escondeu-se em um bueiro de
esgoto, onde, durante algumas horas, conviveu com baratas e ratos. Escapou da
polícia, porém.
No entanto, uma outra
versão diz que o apelido advém da grande quantidade de marijuana que fumava nos
tempos da malandragem e da juventude. Pode ser. Não o conheci nessa época.
Sabedor de que era
torcedor fanático do Santa Cruz, há algum tempo atrás, presenteei-o com uma
camisa do Mais Querido. Não uma camisa oficial, confesso, daquelas que custam
os olhos da cara. Comprei uma “similar”, na Rua do Rangel, no centro histórico
do Recife, a qual foi recebida por ele com muita alegria. Sua alegria, porém
durou muito pouco. Na primeira lavagem, a camisa foi roubada da janela do seu
barraco, onde ele improvisa um varal em dias de sol quente. Um outro sujeito
mais esperto, também torcedor do Santa Cruz, suponho, levou-a sem
constrangimentos. A vida é mesmo assim: tanto nos dá quanto nos retira coisas preciosas.
Jardineiro de mão
cheia, depois que deixou a malandragem, Bueiro sempre se virou cuidando dos
jardins e das plantas da vizinhança. No entorno do seu barraco, sempre há mudas
de hortelã (miúda e graúda), alfavacas, babosa, jasmins de cheiro, capim-santo
e outras coisas mais. Mas, na medida que a idade foi avançando e as crises de
asma tornando-se mais assíduas, Bueiro foi declinando dessa atividade. Chegou
ao ponto de, muitas vezes, precisar da ajuda dos amigos e vizinhos para
garantir o fubá e a sardinha do café da manhã. Sem lenço e sem documentos, nem
ao menos podia recorrer aos recursos da seguridade social e da previdência
pública.
No entanto, na eleição
municipal passada, foi ajudado e salvo por um candidato a vereador local, que
lhe conseguiu a segunda via da carteira de identidade e a concessão de um
benefício de prestação contínua do INSS, também conhecido como loas, direito
garantido para quem é pobre na forma da lei e não tem nenhuma outra fonte de
renda, além de nunca ter contribuído para a previdência social. Ou seja, renda
distribuída com justiça pelo governo federal
De pobre de
marré-bê-cê, Bueiro passou a ser beneficiário do INSS. Ajeitou o barraco,
trocando as paredes de madeira por alvenaria; comprou uma bicicleta nova para
lhe garantir a locomoção e o transporte; passou a comer e a se vestir melhor.
Logo lhe apareceu uma candidata a companheira, disposta a dividir com ele o
barraco novo e os minguados. Sua vida se transformou de maneira positiva e
decente.
Mas, o que teria isso
tudo a ver com o impeachment da presidenta Dilma? Nada, se o nosso personagem
não recebesse o falado e, geralmente, tão criticado benefício de prestação
contínua.
Segundo a Wikipédia,
fonte que tanto me apraz consultar, o benefício de prestação contínua, prestado
pelo INSS, consiste em uma renda de um salário-mínimo para idosos e deficientes
que não possam se manter e não possam ser mantidos por suas famílias.
Considera-se idoso quem tem mais de 65 anos e deficiente quem não possui
capacidade para a vida independente e para inserção/reinserção social e no
mercado de trabalho. A família deve ter renda per capita menor que um quarto de
salário-mínimo, mas recentes decisões judiciais aceitaram critérios mais
elásticos para cumprir o espírito da lei, que é beneficiar famílias em condição
de miséria. Se já houver um idoso da família recebendo o BPC, isso não será
considerado no cálculo da renda familiar para concessão de um segundo
benefício. O BPC não pode ser acumulado com outros benefícios previdenciários.
Esse benefício valioso
para os excluídos e que põe em prática a distribuição de renda sistemática e
justa por parte do governo federal, está na mira da reforma previdenciária
prevista pelo novo governo. Isso é de se temer!
Recife, setembro 2016
* Poeta, jornalista e radialista.
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