A cor da
ausência
* Por Pedro J. Bondaczuk
As cores, metaforicamente, simbolizam coisas e situações.
Por exemplo, o verde representa a esperança; o vermelho, paixão; o rosa,
felicidade e assim por diante. Esse expediente é bastante utilizado pelos
poetas em seus versos. Uma das cores mais ambíguas, porém, nessa simbologia, é
o azul. Para uns, simboliza o sonho. Para outros, é a cor da tristeza. Para
outros, ainda, tem o significado da tranqüilidade. Concordo, todavia, com os
que a utilizam para figurar a ausência. Por que? Não saberia explicar.
Mas na minha mente, sempre que esta cor surge, penso de
imediato nas pessoas que gostaria de ter ao meu lado – a amada ou os amigos
(você, por exemplo) – mas que estão comigo somente na lembrança. Outros poetas
que conheço têm idêntica percepção.
É preciso saber construir pontes de estrelas (em vez de
muros de pedras) que nos conduzam à casa da pessoa que amamos, mesmo que esta
não corresponda (ou aparente não corresponder) ao amor que lhe dedicamos.
Façamos o mesmo em relação às amizades que prezamos. Busquemos o que temos em
comum, para aprofundar e expandir, e esqueçamos diferenças e divergências que
nos separem. Apaguemos de nossas vidas a triste cor da ausência.
Somente dessa forma, teremos chances de conquistar os mais
empedernidos e aparentemente refratários corações e nos completar, através da
magia do amor ou da mística da amizade. Quase nunca (eu diria que nunca mesmo)
existe uma lógica que nos leve a nos apaixonar por determinada pessoa, e não
por outra que, aparentemente, lhe seja até superior em diversos predicados,
como beleza, inteligência, pureza etc.
Não raro temos a oportunidade de amar alguém de imensa
beleza – que nos ama e que até nos atrai fisicamente – mas que, para nós, lhe
falta aquele “algo mais” (que sequer sabemos definir o que seja). Todavia, o
amor, na verdade, não é para ser explicado ou entendido, pois não tem
explicação. Tem é que ser vivido! Cabe-nos a irrestrita entrega a esse
misterioso chamamento, sem questionarmos a razão dessa irresistível e mútua
atração.
Nada é mais triste e desolador, mais digno de pena e de
lamentações, do que uma vida de solidão, sem a magia do amor. Não ter com quem
compartilhar alegrias e tristezas, risos e prantos, sonhos e ideais e os
próprios corpos, é a forma mais cruel e desumana de abandono. A cor da ausência
se impõe, então, com avassaladora força: sombria, dolorosa e triste.
Essa necessidade de partilha, de afeto e de cumplicidade é
essencial, não somente para a perpetuação da espécie (no que é imprescindível),
mas para uma vida equilibrada, produtiva e feliz. Podemos nos comparar a uma
casa. Se nela houver a chama do amor, ela se mostrará sempre bela, viva,
habitável e aquecida, mesmo que envelhecida. Se este fogo não existir, porém,
mesmo que se trate de mansão, será como estes castelos-fantasmas,
mal-assombrados, que a tradição garante que existem, sobretudo na Inglaterra:
sombrios e decadentes. E, diria, azuis...
Nada é mais amargo e doloroso do que o drama de um amor que
chega ao fim. É uma situação conflitante em que sempre alguém sai ferido. Dói
demais, por exemplo, ver que os beijos, as carícias e as palavras meigas e
deliciosas que nos eram destinadas, têm por alvo, agora, uma outra pessoa. Não
se pode nunca afirmar, é verdade, que se trate de situação sem volta.
O amor perdido pode ser recuperado, mas as marcas dessa
eventual separação não desaparecem. Permanecem para sempre a envenenar o
relacionamento que, dificilmente, voltará a ser o mesmo de antes. Sei como é
isso. Curti muita música, classificada pelo povo como de “dor-de-cotovelo”, nas
vozes de Maysa Matarazzo, de Dolores Duran, de Elisete Cardoso, de Tito Madi,
de Silvinha Teles e tantas outras, que tem como tema amores fracassados ou
maculados, nas várias perdas de pessoas que amei. Nessas ocasiões, à minha
revelia, minha alma se vestia de azul...
Já que estou no terreno das negações, afirmo, sem medo de
errar, que nada, absolutamente nada no mundo é mais veloz quando estamos
distantes da pessoa amada e queremos, ardentemente, estar ao seu lado, para
gozar das delícias da sua companhia, dos seus carinhos e da sua atenção do que
a imaginação.
Reitero, para ressaltar a força da absoluta ausência, que
não há nada, nada mesmo que se lhe compare em rapidez, diria, até, em
instantaneidade. Nem a lua, nem os pássaros, nem o vento, nem o sol e nem mesmo
a luz, o elemento mais veloz que se conhece, conseguem ser mais rápidos. Quem
ama, sabe disso, de sobejo, por ter passado inúmeras vezes por essa mágica
experiência.
O amor... ah, o amor! O poeta e professor Benedito Sampaio
disse tudo isso, com mais graça e beleza do que eu, nestes inspirados versos do
poema “Tangolomango”:
“Mas lua, tu não sais do teu sobrado!
E tu, que é das tuas asas, passarinho?
E o vento, o lerdo vento está parado,
e o sol se arrasta tão devagarinho...
Ah, só meu sonho – estás a percebê-lo?
voa e já está brincando em teu cabelo”.
Nesses vôos velozes, minha alma despe-se do azul, torna-se
furta-cor e oscila entre o verde, o vermelho e o rosa. Reveste-se de luz. Vira
poesia pura!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova
utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Ausência ou não, o azul é a minha cor.
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