Focos diferentes
* Por
Pedro J. Bondaczuk
Um leitor pergunta: “quem lucra mais, o
escritor, que passe a atuar também no jornalismo ou o jornalista que lá um belo
dia se transforme em escritor?”. Há vários aspectos a se ponderar. Primeiro,
nada impede que alguém exerça ambas funções, simultaneamente. É o caso da
imensa maioria dos meus colegas dos tantos jornais em que já trabalhei.
Aliás, no século XIX, e boa parte do
século XX, as redações eram compostas quase que exclusivamente por escritores.
No outro extremo, nem todos os jornalistas (diria que são raros) se aventuram a
trocar suas carreiras jornalísticas para atuarem, exclusivamente, no pantanoso campo da Literatura, que pode
tanto consagrar, quanto “queimar” um intelectual de valor.
Claro que o foco e, sobretudo, a
linguagem dessas duas atividades são diferentes. O do jornalismo, é o fato, nu
e cru, exatamente como aconteceu. É, portanto, o máximo das heresias “criar” em
cima da notícia. Esta tem que ser transmitida, sempre, rigorosamente como
aconteceu (infelizmente não é, pelo menos não por todos. Mas... deixa pra lá!).
Já a linguagem do escritor é menos
seca, mais solta, diria que liberta da chamada “objetividade”. Quanto mais
criativa for, melhor. Seu foco pode até ser algum determinado fato, alguma
notícia que não se esgote no dia seguinte e que mereça ser registrada em livro.
Mas, em geral, não é a realidade, e sim o que é fictício. É certo que a
verossimilhança é desejável, mas sequer se trata de regra, de condição sine qua
non, de obrigação para o escritor.
É provável que o espírito da pergunta
do leitor se refira às vantagens financeiras de cada atividade, supondo que uma
mesma pessoa não exerça simultaneamente ambas. Nesse aspecto, o escritor, que
se transforme em jornalista, lucra infinitamente mais (apesar de, convenhamos,
o profissional de imprensa não ser remunerado no valor que merece ser, salvo
raras exceções), a menos que se trate de um Paulo Coelho. Daí... pode viver,
exclusivamente, sem receios e sem sustos, do lucro advindo da venda dos seus
livros.
Nas redações, pelo menos, o sujeito
terá emprego fixo, com registro em carteira, recolhimento para a Previdência e
possibilidades de, um dia, se aposentar. Isso, sem falar em Fundo de Garantia e
de outras tantas vantagens sociais e trabalhistas.
Na Literatura, todavia, irá depender,
sempre e sempre, dos caprichos e vontades do leitor (supondo, é claro, que
consiga ao menos editora para publicar seus livros). Pode, por exemplo,
escrever uma obra-prima, dessas a salvo de qualquer reparo e.... nada
acontecer. É verdade, também, que pode produzir o caricato e o ridículo,
simultaneamente, ou seja, um tremendo besteirol, e vender rios de exemplares.
Cada um compra o que quer. Mas é muito mais comum a ocorrência de inexplicáveis
encalhes de excelentes livros do que baboseiras e infantilidades se
transformarem em best-sellers. Contudo... acontecem, esteja certo.
Para responder, portanto, à pergunta do
leitor, sem tergiversar e nem ficar em cima do muro, afirmo (por experiência
própria) que o melhor é, mesmo, exercer, simultaneamente, as duas atividades. O
profissional que fizer essa opção (claro, se tiver talento, cultura, aptidão e
conhecimento técnico para as duas) contará com as garantias trabalhistas que o
jornalismo lhe dá e poderá, de vez em quando, apostar na “roleta russa” da Literatura.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Aqui em Montes Claros, os donos de jornais dispensam os jornalistas formados que ganham um SM ou pouco mais para contratar estagiários para fazer o serviço pesado recebendo a metade. Os cronistas não são remunerados. Sem venda, os poucos diários que persistem agonizam.
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