Homenagem à língua portuguesa
* Por
Nelly Carvalho
Foi comemorado, na
segunda-feira, 5 de novembro (de 2007), o Dia da Língua Portuguesa, nossa
língua materna, que é a terceira língua mais falada do mundo ocidental. O
enorme contingente de falantes do português é constituído, na sua maior parte,
por nós brasileiros. Os milhões de falantes deste País continental superam os
apenas 9 milhões de falantes do pequenino Portugal. Por isso, não entendem
muitos a nomeação de língua portuguesa, uma vez que somos a maioria. Certo que
a diferença de usos entre os dois lados do Atlântico é grande. Alguns acham até
que podíamos subscrever o que Oscar Wilde ironizou sobre Estados Unidos e
Inglaterra: "São dois países que têm muita coisa em comum, exceto a
língua." Após a Independência do Brasil, alguns autores quiseram estender
essa independência ao idioma, como é o caso de José de Alencar. Essa atitude,
que teve pequena repercussão na época, com o Modernismo de Mário de Andrade, em
1922, foi ressuscitada. Mas depois foi assimilada a denominação de língua
portuguesa e pouco se fala no assunto, até porque não refletimos sobre a pedra
angular de nossa identidade, como também pouco a cultivamos.
Vale a pena revisitar
o tema, já que alguns acreditam estarmos sob um rótulo que não nos nomeia
adequadamente.
Nenhuma língua é um
todo uniforme e no dizer do lingüista francês Martinet, "línguas mudam
porque funcionam". Para Celso Cunha "há uma covariação entre a língua
e a sociedade".
A língua histórica, no
nosso caso, o português, não é um sistema lingüístico uno, mas um conjunto de
normas onde ressaltam os usos criados em espaços geográficos diferentes. A
norma sempre varia em comunidades lingüísticas, quando distanciadas, como
Brasil e Portugal.
O que veio a ser
chamado língua portuguesa foi resultado do desdobramento do latim, efetuado a
partir da baixa Idade Média. A transformação foi lenta. No século 16, esta
língua vinda do latim iniciou seu desdobramento em outra norma ao ser
transplantada para o Brasil. O isolamento da província favoreceu a mudança de hábitos
de fala, pois durante três séculos não houve nenhuma política lingüística em
nosso território. Ficamos à deriva. O marquês de Pombal preocupou-se com a
pouca difusão da língua portuguesa. Em províncias como São Paulo, Maranhão e
Pará, a língua de uso era o tupi. Em 1757, (270 anos após a descoberta), um
decreto pombalino tornou o português a língua obrigatória e oficial em nossas
terras. A partir de então, foi crescente a imposição da língua portuguesa.
Com a República, a
norma brasileira começa a ser valorizada, consolidando-se em 1920, como
assinala Gilberto Amado em Minha formação no Recife. Contudo, em 1935, o Diário
Oficial, publicou que os livros didáticos deveriam chamar o idioma nacional de
língua brasileira, porque a língua devia ser denominada de acordo com o povo
que a falasse. A Assembléia Nacional Constituinte de 1946 rejeitou a
denominação de língua brasileira em parecer emitido por uma comissão de
estudiosos. Portugal tem o mérito de ter criado este sistema lingüístico e de
tê-lo difundido no mundo: é a matriz de onde vieram hábitos lingüísticos e
culturais, que aqui sofreram influências outras e foram modificados.
Mas as modificações no
falar brasileiro não o tornaram uma língua diferente da matriz. Em 1985, foi
reiterada, sob a inspiração de Houaiss, a denominação de língua portuguesa,
baseada em fatores como a intercomunicação , presença de um vocabulário básico
comum, de palavras gramaticais, desinências e conjugação verbal idênticas.
Constituímos, isso sim, uma norma brasileira, que se desenvolveu de acordo com
hábitos lingüísticos e sociais aqui criados e a realidade observada.
Falamos o português
brasileiro, determinante para os destinos da comunidade lusófona de 200 milhões
de falantes, já que somos 170 milhões. Nosso modo de falar inclui escolhas
vocabulares e construções sintáticas divergentes de Portugal. Quanto à
pronúncia, a distância é grande, o que gera dificuldades, mas não a
incompreensão absoluta. Até Afrânio Coutinho, em 1986, quis impor o termo
"língua brasileira", desvencilhando-se de vez de Portugal. Hoje é
considerada uma atitude pouco científica. A força de uma língua não reside no
seu passado nem na sua denominação, mas na sua aptidão de renovar-se e criar.
Esta força é a contribuição da variante brasileira para a língua portuguesa. 5
de novembro é o dia de comemorarmos, junto com Portugal, a nossa língua comum.
*
Escritora e doutora em Letras
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