O multitalentoso Antonio Vieira
O padre Antonio Vieira foi uma das personalidades mais
fascinantes e, simultaneamente mais polêmicas, do seu tempo, dotado de
múltiplos talentos. Além de religioso, tem que ser, forçosamente, classificado
como filósofo, escritor e orador, para lhe fazer justiça. Ainda hoje, muitas
pessoas (entre as quais me incluo) veneram-no, embora outras tantas o detestem,
estas últimas, ao que me parece, por absoluto desconhecimento de causa. São os
tais que adotam a estúpida postura do “não li e não gostei”, quando se trata de
opinar sobre sua vasta obra, consistente, basicamente, de mais de 200 sermões e
de 700 cartas, além de uma considerável série de tratados, que perfazem respeitável
coleção de livros de 35 volumes (se eu não estiver enganado). Mesmo os que não
o apreciam (por razões que talvez nem eles mesmos consigam explicar), são
forçados a admitir que Antonio Vieira foi um dos mais influentes personagens do
século XVII, e em dois continentes: a Europa e a América do Sul, mais
especificamente, o Brasil.
Embora nascido em Portugal (era lisboeta) – em 6 de fevereiro
de 1608 – pode ser considerado brasileiro, brasileiríssimo. E por que afirmo
isso com tamanha convicção e ênfase? Porque veio para o nosso país quando
tinha, apenas, seis anos de idade. Seu pai, Cristóvão Vieira Ravasco, que era
servidor público, foi transferido para Salvador, na Bahia, em 1614, para
assumir o cargo de escrivão. Aqui o menino Antonio viveu sua infância. Aqui fez
os primeiros estudos, no Colégio dos Jesuítas da capital baiana. Aqui abraçou a
carreira eclesiástica, tendo ingressado, como noviço, na Companhia de Jesus, em
maio de 1623. Aqui tomou os votos de castidade, pobreza e obediência. Enfim,
aqui foi ordenado e começou a atuar, sobretudo, como um inusitadamente
comunicativo pregador.
É essa figura multitalentosa (e, insisto, polêmica) que me
proponho a estudar, junto com vocês, mediante comentários estritamente
pessoais, posto que baseados em fatos, em documentos, em confiáveis registros
históricos. A ênfase, claro, será sobre sua influência na literatura de língua
portuguesa. O pitoresco é que, a despeito de ser considerado modelo de estilo
literário em muitas faculdades de letras do Brasil e de Portugal, Vieira jamais
se considerou “escritor”. Os textos que legou à posteridade foram escritos não
para leitores, mas para ouvintes. Afinal, são sermões que pregou em igrejas
portuguesas, brasileiras e romanas (estas no tempo em que permaneceu em Roma,
tentando se livrar de uma condenação da temível Inquisição).
Antonio Vieira teve intenso ativismo político, defendendo
teses que hoje são consensuais, mas que, então, no longínquo século XVII, eram
tabus. Por exemplo, defendeu, com coragem e com paixão, os direitos dos povos
indígenas do Brasil, opondo-se, vigorosamente, contra a exploração e a
escravização dos silvícolas, contrariando, inclusive, política oficial da
cúpula da Igreja a que servia, que via neles algo intermediário entre animais
irracionais e seres humanos. Arranjou inúmeras e poderosas inimizades com isso.
Contudo, era venerado pelos índios, pelos quais era chamado de “Paiaçu”, que
significa “Grande Pai” na língua tupi. Outra causa “perigosa” que Vieira
defendeu foi a dos judeus. Se o preconceito contra essa etnia ainda hoje é
estupidamente imenso – Os nazistas tentaram, simplesmente, exterminá-la – no século
XVII mão era menor.
Eles eram, por exemplo, forçados a se converter ao
cristianismo. Os que se recusavam, tinham os bens expropriados e tinham muita
sorte se lograssem escapar da fogueira da Inquisição. Mesmo convertidos, os
judeus, chamados de “cristãos novos”, eram discriminados em relação aos
cristãos tradicionais. Vieira opôs-se, vigorosamente, a essa distinção. Era,
como se vê, um humanista de primeira linha, que nada ficava a dever aos atuais,
tão reconhecidos, reverenciados e premiados. Outra das causas polêmicas que
defendeu foi a abolição da escravidão, e quase dois séculos antes que surgissem
os primeiros abolicionistas. E, para complicar ainda mais sua situação, não poupava
críticas aos próprios sacerdotes católicos, que se corrompiam e não davam a
mínima para seus votos sacerdotais. Convenhamos, era necessária muita coragem
para assumir posturas como estas, que Vieira assumiu.
A nós interessa, especificamente, sua influência na Literatura.
Seus sermões têm enorme importância, tanto no barroco brasileiro, quanto no
português. E isso, insisto, sem que fosse escritor de ofício. Seus sermões são
verdadeiras aulas de estilo. Seus textos soam muito melhor (claro) quando lidos
em voz alta. Afinal, foram concebidos para isso. Para serem verbalizados. Destaque-se
que na sua época o analfabetismo era generalizado, em todas as classes sociais
e no mundo todo. Alguns documentos da época estimam que, em Portugal, ele
passava dos 90% da população. No Brasil, beirava os 100%. Ainda assim, sem
perder a elegância, a clareza e a beleza literária, os sermões de Vieira eram
entendidos por todos os fieis, o que se constituía em enorme façanha em termos
de comunicação. Não por acaso, as principais universidades, brasileiras e
portuguesas, frequentemente, exigem a sua leitura. Da minha parte, recomendo-a
a todos os que amam a Literatura.
Boa leitura.
O Editor.
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