“Fabricação” de imagens
Caro amigo que nos dá a honra da sua
leitura, boa tarde.
Você sabe o que é “imagologia”? Calma,
impaciente leitor, não houve erro de digitação da minha parte, embora o
corretor de textos do computador diga o contrário e assinale a palavra em vermelho. E não
adianta consultar nenhum dicionário. Você não irá encontrar essa expressão. O
termo não consta em nenhum dicionário. Trata-se, na verdade, de neologismo. Mas
juro que não fui eu que o criei.
Embora a palavra seja nova, designa um
comportamento bem antigo, antiqüíssimo, que remonta sabe Deus a que século ou
milênio. Imagologia é a “fabricação” de imagens. Não me refiro às de santos.
Portanto, a palavra não designa a atividade de nenhum artesão, desses hábeis e
peritos, que criam maravilhosas estátuas, que se tornam objetos de culto e
adoração de tanta gente.
A imagem, neste caso, é a das
celebridades face à mídia e, consequentemente, diante da população. Quem aborda
o assunto com grande propriedade é o escritor Milan Kundera, que dedica
capítulo inteiro do livro “A Imortalidade” ao tema. É isso.
As celebridades (e não importa célebres
por que), raramente mostram em público o que realmente são. Muitos (e põe
muitos nisso), têm até biografias inventadas, para que o cidadão comum os admire
por supostos “feitos”, que sequer fizeram.
Máscaras. Essas pessoas utilizam-se de
máscaras. Parecem uma coisa e na verdade são outra. Os imagólogos utilizam-se
de recursos de várias disciplinas ligadas, notadamente, à comunicação,
principalmente da propaganda e da sua irmã-gêmea, a publicidade.
Valem-se, também, da maquiagem (a real
e a figurada), da moda, da expressão corporal e de tantas e tantas outras
coisas, para exibirem ao público a melhor imagem possível dos seus
“personagens”. Aquela, claro, que eles laboriosamente criaram.
Para que o assunto fique mais claro,
digo-lhes que a primeira vez que me dei conta da “imagologia”, muito antes
sequer da palavra ter sido inventada por Milan Kundera, foi há quarenta anos.
Foi na leitura de um conto de um escritor norte-americano (cujo nome não me
recordo, pois minha memória não é tão prodigiosa como alguns acham que seja e
muito menos como eu gostaria que fosse), publicado em uma revista literária de
grande circulação nos Estados Unidos (mas não farei propaganda gratuita dela,
já que a comprei e não a ganhei).
Na história em questão, o autor tratava
de uma atriz que veio de um obscuro e perdido vilarejo do meio-oeste e que,
graças ao seu talento e pertinácia, virou estrela e conquistou fama e fortuna.
Imediatamente, seu agente providenciou
para que um escritor de renome “criasse-lhe” uma biografia. Atribuíram-lhe pais
muito diferentes dos dela, deram-lhe vários irmãos que não tinha, em vez de
citarem as obscuras escolas em que de fato estudou, “matricularam-na” nas mais
renomadas instituições de ensino dos Estados Unidos, enfim, traçaram um perfil
perfeito de uma “vencedora”. Tudo muito bonitinho, porém... falso. Mera ficção.
A garota não era nada disso. Mas em vez
de ressaltar seus méritos, de enfatizar que viera de baixo e galgara os degraus
do sucesso graças à sua capacidade pessoal, simpatia e esforço, seus imagólogos
entenderam que essa imagem não satisfaria os fãs e o público em geral. Era “comum”
demais. Não tinha charme, mistério, glamour.
Embora ficção, o conto retrata bem o
que ocorre na política, nos esportes, no cinema, nas outras artes e no
show-business. E, em alguns casos, também em literatura. Kundera
enfatiza que o ditador Adolf Hitler tinha seu imagólogo, que determinava, até,
os mínimos gestos que o líder nazista deveria fazer ao discursar para
enlouquecidas multidões.
Inúmeros políticos, mundo e tempo
afora, valeram-se e valem-se cada vez mais dessa “ciência” informal (no meu
entender a ciência da mentira e do engodo), para tapear eleitores e fazerem
carreira, defendendo, apenas, interesses pessoais, embora perpetuem imagens de
pessoas generosas e dignas, preocupadas incessantemente com o povo.
Sinceramente, se o preço do sucesso (no
meu caso, o literário que, como todo indivíduo normal, aspiro ardentemente e
luto com todas as forças para obter) depender desse expediente, dane-se o
sucesso! Se estiver ligado à ostentação de uma imagem pré-fabricada, mas que
não é a minha, ou seja, às artimanhas da imagologia, prefiro um milhão de vezes
(ou a cifra mais alta que lhe passar pela cabeça) o fracasso, com suas
frustrações e mágoas, do que o êxito baseado, exclusivamente ou mesmo em parte,
no engodo, na mentira e na falsidade.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Em boa medida prevalece a farsa, intencional desde o começo, ou não.
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