Conforme
o original
Caríssimos leitores, boa tarde.
O alemão Johannes Guttenberg deixou,
para a humanidade, um legado que não tem preço. Tivesse o poder de canonizar
alguém, eu o faria, com esse inventor (sequer sei se tinha ou não vida ilibada
para se tornar santo, não importa) e o alçaria à condição de padroeiro dos
escritores. O benefício que esse homem nos trouxe não tem preço. Seu invento
propiciou a maior das revoluções da História.
Não houvesse inventado os tipos móveis,
por exemplo, para a impressão de livros (e de outros textos quaisquer, claro)
certamente a humanidade não estaria presenciando essa explosão de
conhecimentos, que são cada vez mais difundidos, atingindo todas as camadas
sociais e que são como bolas de neve rolando montanha abaixo, ou seja, quanto
mais descem, mais aumentam.
Sua invenção é como aquela lenda do ovo
de Colombo. O navegador genovês teria assegurado aos doutores da igreja que
conseguiria fazer esse produto dos ovíparos parar ereto. Estes duvidaram e
ameaçaram-no, até, de considerá-lo herege por tamanho atrevimento. E o que o
sonhador genovês fez? Simples. Limitou-se a dar leve batidinha numa das
extremidades do ovo, quebrando ligeiramente sua casca, e deixando-a, por
conseqüência, achatada. Em seguida, sem a menor dificuldade, colocou-o de pé.
“Assim nós também faríamos”, teriam dito os tais “sábios”, que na verdade pouco
sabiam. Pois é, e por que não fizeram?
O mesmo se pode dizer sobre os tipos
móveis de Guttenberg. Mas até ele ousar em experimentar seu método de reprodução
de textos, o que fez em 1442, ninguém havia imaginado esse método. Ou se alguém
imaginou, não tentou pôr em prática, talvez duvidando da sua eficácia e do seu
valor prático. O inventivo alemão, para comprovar a utilidade da sua idéia,
resolveu imprimir as 671 páginas da Bíblia. Começou a tarefa em 1450 e só
concluiu-a em 1454. A
maior parte do tempo, claro, despendeu na elaboração das respectivas matrizes.
Com estas prontas... foi moleza.
“Quatro anos para imprimir 671
páginas?!”, perguntarão com certeza, em tom de disfarçada exclamação e até de
deboche, pondo em dúvida a praticidade da idéia de Guttenberg, os eternos “do
contra”, que vêem defeitos em tudo e todos. “É muito tempo!!!”, acrescentarão.
De fato, é mesmo. Ocorre que o inventor imprimiu 300 exemplares, dos quais
ainda restam 40 em mãos de colecionadores e em alguns museus, e não somente um.
Raciocinem comigo e pensem quantos anos
os monges copistas precisariam para concluir esse mesmo número de cópias. No
mínimo, uns vinte. E por mais atentos e concentrados que fossem, cometeriam,
certamente, inúmeros erros. Trocariam algumas palavras, grafariam errado
outras, pulariam trechos, assassinariam a concordância e assim por diante.
Afinal, eram humanos, e não máquinas precisas e infalíveis.
Imaginem, até Guttenberg desenvolver
seu invento, como era a produção de livros nos centros culturalmente mais
avançados no mundo. Nos menos avançados, sequer se cogitava desse produto. Cada
exemplar era copiado à mão. E dificilmente (só mesmo por acaso) uma cópia saía
rigorosamente igual a outra. Entre o original, encaminhado pelo autor, e a
versão final, havia infinitas diferenças. Eram palavras trocadas, suprimidas ou
acrescentadas em
profusão. Isso sem falar nas traduções, nem sempre feitas do
texto original, mas de traduções de traduções de traduções. Um horror! O que
lemos hoje, do que foi escrito antes da invenção dos tipos móveis, é, pois,
mera “aproximação” do que os escritores de fato produziram.
Os monastérios de então faziam as vezes
de editoras. Dezenas de monges passavam a vida inteira, da mocidade à velhice,
empenhados nessa maçante tarefa. Por maior que fosse seu nível de concentração,
os erros eram inevitáveis. Vão me enganar que algum desses copistas não se
sentia tentado a adulterar (e não adulterava) os originais? O que contrariava
aquilo que pensavam, faziam soar o contrário do que o autor concebeu, com o
acréscimo ou supressão de meia dúzia de palavras. Ademais, durante o trabalho,
sentiam fome, sede, vontade de ir ao banheiro e assim por diante, como todos
nós. Tudo isso, convenhamos, eram inevitáveis fatores de distração.
E as tiragens? Eram ínfimas. Um livro,
com 30 exemplares, podia ser considerado best-seller. É verdade que havia
carência de leitores. Com base em documentos históricos da época dá para se
estimar que 90% da humanidade era composta de analfabetos. Aliás, ler não era
considerado importante nem pela realeza. Inúmeros monarcas eram rigorosamente
iletrados. E os que sabiam ler e escrever não eram vistos como superiores a
ninguém, como às vezes ocorre hoje. O que contava, então, era a perícia no
manejo de uma espada, ou a aptidão para montar a cavalo, ou o treinamento na
arte de matar, ou seja, para a guerra etc.
Queiram ou não, o invento de
Guttenberg, de alguma maneira, mudou tudo isso. Hoje, embora alguns países
ainda ostentem altas taxas de analfabetismo, pode-se dizer, sem medo de errar,
que a maior parte da humanidade sabe ler e escrever (se gosta ou não de fazê-lo
ou se o faz bem, é outra história).
A rigor, nem na atualidade, nós, escritores,
conseguimos com que nossos livros venham a público rigorosamente da forma que
os concebemos. É verdade que o computador reduziu a quase zero o número de
erros. Temos os corretivos ortográficos, que assinalam em vermelho, por
exemplo, quando cometemos falhas de grafias ou de digitação. E marcam em verde
os eventuais equívocos de concordância, regência, pontuação etc. Ainda assim...
muita coisa escapa, para nosso desespero.
Os originais dos nossos livros seguem
para as editoras, que contam com equipes de revisores (pelo menos as melhores
delas). Estes detectam o que escapou da nossa vista e o advento do e-mail
facilitou sobremaneira seu contato com os escritores, para dirimir possíveis dúvidas,
em geral estilísticas. Ainda assim... vários erros escapam, para nossa suprema frustração.
Imaginem se Guttenberg não houvesse inventado os tipos móveis e estivéssemos,
ainda, por conta dos copistas! Seria um Deus nos acuda, não é verdade?!
Boa leitura
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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