Marcas no tempo
A comunicação, através da palavra ---
falada ou escrita, não importa ---, é uma das mais refinadas, complexas e fundamentais manifestações de inteligência
do homem. Implica em imensa responsabilidade, da qual raramente (ou nunca, na
verdade) nos damos conta. Pode mudar, sem que sequer venhamos a nos aperceber,
para melhor ou para pior, a vida tanto de uma única pessoa, quanto a de
milhões, quiçá bilhões delas, conforme seu teor, condições, circunstâncias e
meios utilizados. Pode tanto adquirir permanência, e vencer o tempo,
sobrevivendo àquele que dela se utilizou, quanto se esgotar em segundos.
Trata-se do distintivo da racionalidade
humana em relação aos demais seres vivos, animais ou vegetais. A linguagem, a
despeito de sua diversidade e ambigüidade, tem essa possibilidade de atravessar
gerações e de produzir efeitos muito mais profundos e duradouros do que os
originalmente pretendidos. Há palavras que salvam, que constróem, que redimem e
que consolam, registrando fatos e feitos históricos, expressando idéias,
produzindo reflexões, desvendando sentimentos, despertando emoções e criando
beleza. Mas há também as que matam, as que ferem, as que corrompem, as que
destróem, as que despertam violência e ira e que produzem intensa dor. Depende
de quem, quando e como as expressa. Saint-Exupéry alertou que "a palavra
pode ser a ponte de união entre as pessoas ou uma fonte de mal
entendidos".
Se na conversação informal, naquela que
utilizamos no dia a dia, no lar, no trabalho e em nossas relações sociais; a
comum, trivial, corriqueira e na maioria das vezes eivada de incorreções
vocabulares e gramaticais, e que quase nunca é policiada, temos enorme
responsabilidade por tudo o que dizemos (embora sequer atinemos), dadas as conseqüências
produzidas, muito mais importante se torna, é evidente, o que escrevemos, e
como o fazemos. Nunca sabemos, por exemplo, em que mãos esses textos vão cair,
qual o uso que deles será feito e, principalmente, por quem.
John Lukacs, em seu livro "O Fim
do Século 20" (publicado no Brasil pelo "Círculo do Livro"),
explica: "São as palavras que nos comovem, nos magoam, inspiram, deprimem,
porque pensamos com palavras". Há, portanto, Escritores (com "E"
maiúsculo) e escritores (na verdade "escrevinhadores", no sentido
pejorativo). Ou seja, os que têm noção da influência que podem exercer e os
irresponsáveis, os medíocres, os mal intencionados e os corruptos, niilistas
por excelência, dispostos a tudo destruir, apenas por vaidade e para demonstrar
que têm poder, que no entanto não sabem como usar construtivamente.
Da mesma forma, temos Jornalistas e
jornalistas, Filósofos e filósofos, Cientistas Sociais e cientistas sociais,
etc. Ou seja, os que criam, constróem, consolam, encantam e induzem à reflexão.
E os amargos, corruptos, pessimistas, derrotistas e cínicos, que deveriam, na
verdade, se calar para sempre, por falta do que dizer ou pela absoluta
inadequação da mensagem. Mesmo os bons escritores, às vezes, se precipitam e
publicam livros que repudiam anos mais tarde, quando adquirem maior experiência
e consolidam um estilo.
Na escolha de um texto, para leitura e
reflexão, raramente nos detemos no conteúdo. E nem podemos. Apegamo-nos, muito
mais, ao estilo do autor (em geral com um nome já firmado) mesmo que o teor
seja um lixo. Até porque, a menos que conheçamos outras obras do mesmo
escritor, nunca sabemos (é claro, antes de ler), o que determinado livro
contém. Não estou aqui defendendo nenhuma espécie de censura, até porque,
ninguém está habilitado para isso. Quem pode, sem sombra de dúvida, assumir o
papel de "árbitro dos costumes", que são bastante voláteis e variáveis?
Evidente que o sucesso ou fracasso de
um escritor independe apenas do seu talento e da qualidade e substância do seu
texto. O "marketing", por exemplo, conta muito, assim como a
exposição na mídia e uma crítica favorável, fatores, aliás, que nos induzem
freqüentemente ao erro e nos levam a comprar "gato por lebre". Ou
seja, a adquirir obras sofríveis como sendo autênticos "pilares da
cultura".
Boa parte dos "best-sellers"
de hoje vai constituir, fatalmente, a "legião dos esquecidos" de
amanhã. Como em tudo na vida, o modismo também tem grande influência na
literatura. Há livros até gostosos de
ler, mas que, ao cabo da leitura, se revelam vazios, ocos, frívolos, mero
festival de "pirotecnia verbal" (às vezes nem isso), sem qualquer
substância ou conteúdo. Há outros, em oposição, cujo estilo não é
atrativo. Exigem do leitor, além de
sólida cultura, enorme autodisciplina e capacidade de concentração para não
desistir na metade. No entanto, são obras magistrais, atemporais, consagradas,
marcos da literatura universal, ou pela criatividade, ou pela linguagem
revolucionária, ou pela relevância do tema, quando não por todas estas
características juntas. Entre estes, podem ser mencionados, apenas à guisa de
exemplos, livros como "Ulysses", do irlandês James Joyce; os seis
volumes do "Em Busca do Tempo Perdido", do francês Marcel Proust e a
peça "Esperando Godot", do britânico Samuel Beckett, entre tantas
outras. O escritor de talento e que sabe
o que diz representa uma ponte entre gerações, garantindo a continuidade e
perenidade da cultura. Deixa, às vezes sem se aperceber, sua marca característica
e indelével no tempo...É o único tipo de imortalidade acessível ao homem.
Boa
leitura.
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A vida avança, o tempo se escasseia e passo a não ler livros desimportantes.
ResponderExcluir