Mãos que oferecem rosas
* Por
Urda Alice Klueger
(Para
Eduardo Venera dos Santos Filho)
Eu vinha de uma infância muito mágica, por
conta da natureza, das minhas emoções e dos livros que lia. Escrevi muitas
coisas, já, sobre isso, mas acho que nunca escrevi sobre a magia de ir de
bicicleta à Biblioteca Púbica pegar livro novo, e na volta, vindo pela rua
Amazonas, olhar para os morros e os vales do vale maior, que era o Garcia, e
absorvê-los numa grande inspiração só, com suas distâncias, suas tonalidades
que me pareciam as cores da nostalgia, e me sentir inteiramente parte daquilo
tudo, dos morros, das cores, das distâncias. A bicicleta era como uma nave
única no universo, onde eu podia viajar pela rua Amazonas e por todas as
galáxias que a emoção e os livros traziam – por trás de tudo vinha a minha fada
madrinha que se chamava Irmã Maria Adalgisa e que fora a minha professora de
quarta série.
Assim fui atravessando
a adolescência, cantando coisas bonitas como:
“Fica sempre um pouco
de perfume
Nas mãos que oferecem
rosas
Nas mãos que sabem ser
generosas...”, canções aprendidas com as minhas freiras queridas, e são tantas
as lembranças desse tempo que nem dá para lembrar tudo aqui e agora, e assim
fui andando pelo meus espaços, imbuída dessa magia que me vinha desde as
primeiras lembranças, e um dia já tinha 19 anos e comecei a trabalhar.
E lá na escadinha que
havia que subir para entrar no serviço, havia aquele moço mais bonito de todos,
manhã após manhã, a me cumprimentar calorosamente com um sorriso de rosa
desabrochando, e ele tinha também aquela cor das rosas mais suaves e lindas,
pura cor de rosa, como a cor que a gente imagina que têm as nuvens onde
anjinhos brincam, e havia um halo que o envolvia com aqueles tons de rosa que
tem o amor.
Se vinha de uma vida
encantada, mais encantada fiquei, e foi aquele moço mais bonito de todos quem
me ensinou novas canções, daquelas que cantavam no rádio, mas que aprendi como
se tivessem nascido somente da minha emoção:
“Contigo aprendi que
existe luz na noite mais escura
Contigo aprendi, que
em tudo existe um pouco de ternura...”
Tudo faz tanto tempo,
mas é tudo tão real ainda! Tanto a minha
Irmã Maria Adalgisa quanto aquele moço mais bonito de todos e os aprendizados
da magia, e fico pensando como a magia é coisa tão séria, que não se rompe, não
se acaba, mas se multiplica e pode atravessar as décadas e iluminar uma vida
inteira.
Hoje, quando passo por
pequenos bosques, lembro daqueles tons de nostalgia dos morros do meu vale do
Garcia e de outras coisas tão mágicas que aconteceram que acabaram norteando
minha vida, e o moço mais lindo de todos, que partiu faz tantas décadas, normalmente
me espera em lugares assim, e de novo me sorri seu sorriso de rosa, e vez ou
outra sai da penumbra do bosque e me acolhe nos seus braços com tamanho carinho
e proteção que não posso deixar de inspirar profundamente para absorver
momentos de tal grandeza, como um dia, na adolescência, absorvia o encantamento
do vale aonde vivia.
Blumenau, 01 de
novembro de 2015.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre
os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
A doçura do seu relato me joga sem dó nem piedade diante de um outro moço, um outro também o mais bonito do mundo e que estava escondido no passado, só que voltou depois de 36 anos. Para depois desaparecer em seguida. Quem aguenta?
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