A posse é o túmulo do desejo
* Por
Edir Araujo
É incontestável o
excitante sabor do desejo, do desafio de se conquistar alguém. Mas por que digo
isso? Por que eu a vi, de novo, na rua, numa rápida troca de olhares. Ternos
olhares mas que para mim são fulminantes. Ela deve ter o que falta em mim.
Falta algo em mim que não sei exatamente o quê. A falta é o motor do desejo,
dizem os entendidos, impelindo-nos a continuar vivendo. Enquanto houver esta
falta continuamos buscando algo mais, como faço neste momento, ávido por conhecê-la,
tomá-la em meus braços. Quem sabe está nela o que me falta? Esta falta me
congela, me absorve. Corro o risco de sofrer, é verdade, mas acho que o que
traz dor não é o amor - é a falta dele. Você agora deve estar pensando,
"isso é carência afetiva". Talvez. Acho que é mais que isso. Deve ser
uma neurose obsessiva, querer projetar-me a ti, digo; a ela. Simples paixão,
carnal, dirá você também, que está lendo estas linhas. Não. É algo mais. Já
dura algumas semanas. Acho que é amor, misturado com curiosidade, mistério,
atração pelo desconhecido, neste caso - desconhecida.
Não creio em processos
químicos cerebrais, deve ser algo mais profundo, superior... Partindo desta
premissa às vezes chego a uma conclusão precipitada; de que ela tem o que me
falta, embora eu não saiba exatamente o que é. Mas se ela é alguém tão
imprevisível por que a desejo. Saio na rua a sua procura e quando não a vejo
volto pra casa amargurado. Às vezes penso que ela é tão selvagem! Assim vou
colecionando fantasias na minha mente, de como ela é ou deve ser, o que pensa,
seus desejos, suas aspirações, suas razões. Gostaria de conhecê-la melhor antes
de me apaixonar, mas... Por mais terrível que possa parecer já estou
apaixonado. Terrível porque eu deveria me apaixonar por suas características
reais e não fantasiosas, delírios que vagueiam na minha cabeça. Algo nela atiça
a minha fantasia, deliberadamente. Que sofrimento! Talvez eu tenha uma grande
decepção quando tomar coragem de abordá-la e essa paixão (que muitos chamariam
de tola) e todas as minhas fantasias cairem por terra. No outro dia quando
acordar sentirei um vazio; a paixão acabou. Por que ela mudou? Ou melhor, o que
mudou em mim?
Busco nela uma chama
que na realidade é apenas um reflexo daquilo que ela projeta em mim.
Encontrar-me nela, é realmente o que eu quero? Mas qual é o seu nome?
Sinceramente eu não sei. Que seja Maria, Ana ou Teresa, o que importa isso?
Esta mulher, até então desconhecida, é uma necessidade imaginária. Andei
refletindo que se eu não a tenho não corro o risco de perdê-la. Olha que coisa
maluca! Mas que não deixa de ser um raciocínio lógico.
Afinal, a posse é
mesmo o túmulo do desejo? Na análise freudiana o desejo sempre acaba quando
tomamos posse daquilo que desejamos. Isso faz todo o sentido, sobretudo quando
ardentemente, eu acrescentaria. Com sofreguidão, como é o meu caso. Na verdade,
é isso mesmo. O desejo pode até durar para sempre, o que desaparece é aquele
propósito, a paixão por aquilo que se busca alcançar. E esse sentimento é que
aflige, decepciona, nos derruba. Entendemos assim o que é esse mistério, o
mistério do desejo, que nos transforma em pessoas indiscutivelmente
predestinadas a correr sempre atrás de algo novo, um novo desejo, uma nova
razão para pulsar, viver.
Como diria Oscar Wilde
"a melhor maneira de se livrar de uma tentação é ceder à ela." É isso
aí! Pegar logo essa guria! Sapecar-lhe alguns beijos molhados. Agarrá-la com
firmeza e depois de um mês de volúpia certamente verei que o paraíso não era
bem o paraíso. Concluindo este raciocínio, a posse, sendo o túmulo do desejo,
este ao morrer, elimina o prazer. Mas
enfim, eu não estou sozinho nesta. As pessoas canalizam seu esforços para o prazer,
de forma hedonista, buscando assim, de maneira confusa, e irrefletidamente, o
alvo do prazer, o insensato desejo, a sedução, o delírio, a conquista, enfim...
Vícios, na verdade. Ansiamos avidamente por algo até que o consigamos. Agimos
assim com as coisas, agimos assim com as pessoas, infelizmente.
Estou quase tomando
uma decisão, acho que a mais sensata. Tê-la apenas na minha imaginação, e a
imaginação, convenhamos, é algo insofismável. Sim, não se deve por em dúvida, o
imaginário é mágico, milagroso, não há explicação racional. Assim, preservarei
o objeto da minha adoração. Representá-la em minha mente da maneira que me
aprouver. Cultuá-la no meu silêncio mudo. Vê-la e senti-la em gostosas imagens,
excitantes visões, beijos ardentes, excitantes carícias, sussurros, juras de
amor, numa multiplicidade de sentidos, sexual também - especialmente - se é
isto que você pensou. Tê-la todinha só pra mim, que beleza! Ainda que seja só
no plano mental, mas e daí... Recorrendo à Sartre, segundo sua concepção;
"o imaginário é uma resposta à angustia existencial negativa da passagem
do tempo." Agora atentem para esta citação de Víctor Hugo: "A
imaginação é a inteligência em ereção, enquanto que a razão é a inteligência em
exercício.” Já sabem qual é a minha opção? Claro que fico com a imaginação.
Além do que, temo que toda essa magia perca o encanto ao conhecê-la. Assim
evitaria muitas coisas desagradáveis, quais sejam; amargura, decepções, e vai
por aí afora...
Quanto a esta minha
exposição os conservadores talvez dirão; “Não há nada que se compare ao objeto
real, o que existe somente na imaginação nunca prevalece, é imponderável”,
enquanto os revolucionários por sua vez; “Nada se compara ao objeto imaginário,
tudo aquilo que pertence ao mundo da imaginação é o que conta”. Então, com qual
dessas proposições você fica? Quanto a mim, decerto que fico com os
revolucionários.
Mas você já parou pra
pensar que muitas vezes certas pessoas são interessantes apenas na nossa
imaginação, e que a partir do momento que elas passam a ter vida própria
tornam-se aos nossos olhos insignificantes? Na minha imaginação ela é perfeita!
Pronto, encerro por aqui com esta sentença para sua reflexão.
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Edir Araujo, poeta (marginal, pois não segue nenhum padrão pré-estabelecido) e
escritor independente, sem vínculo com qualquer editora. Autor dos romances
psicológicos "A Passagem dos Cometas" (2ª edição revisada) e
"Fulana". "Gritos e Gemidos" é uma seleção de poemas e
crônicas. Escrevendo mais 2 livros (na gaveta, "amadurecendo").
Eclético, tem grande diversidade de poemas, crônicas, artigos, resenhas,
dispersos em jornais, blogs e sites pela internet.
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