Primeiras
impressões sobre poesia
* Por Márcio Juliboni
"Longa
vida aos poetas,
cujos
sonhos fazem flutuar
tantas
jangadas de pedra!"
(Márcio
Juliboni)
Apesar dos protestos veementes de
alguns, é preciso ser justo e reconhecer que o volume de poesias publicadas
pelo Literário está crescendo. Raras no início – passavam-se semanas em que um
ou outro incauto eram os únicos a insistir nesse caminho, em um grupo com mais
de vinte autores –, hoje, deve-se admitir que diversas obras são publicadas ao
longo da semana. Não creio, como outros afirmaram aqui, que seja uma deliberada
restrição dos editores da coluna, mas sim a timidez natural de todos os que
escrevem versos. Poesia é fazer amor de luz acesa – leva tempo para nos
expormos tanto ao outro, e tão integralmente. Já na prosa, sempre haverá a
deliciosa ambigüidade: transamos mesmo com o autor, ou com algum personagem?
Estimulado pelo crescente número de
poemas neste espaço, gostaria de lhes apresentar algumas de minhas impressões
sobre a poesia. Não quero, com isso, criar um manual, deixar um testamento ou
fundar escolas. Trata-se, apenas, de convidar os demais colaboradores do
Literário, e os leitores em geral, a trocar algumas idéias sobre o que é esse
negócio que pode ou não rimar, pode ou não estar em verso, pode ou não ter
métrica, pode ou não ser testemunhal, pode ou não ser gráfico – enfim... pode
ou não ser poesia.
Para ser didático e conciso – já que,
no quarto parágrafo, todo mundo pode debandar (se é que alguém chegou ao início
deste terceiro!!!) – minhas premissas são duas. A primeira: tomo estética no
sentido original da palavra cunhada pelos gregos, o de educação dos sentidos. A
conseqüência dessa premissa é que, para mim, toda estética, no fundo, é uma
proposta moral e o artista, qualquer que seja seu meio de expressão, ao buscar
uma nova estética está, na realidade, procurando uma nova forma de
experimentação da vida que deseja compartilhar com os outros. Ao fazê-lo, está
se dedicando a uma nova formulação moral, ou seja, o estabelecimento de uma
nova forma de pensar e agir em sociedade. Essa formulação moral é imperiosa.
Mesmo os artistas que se atiram raivosa ou apaixonadamente contra a "a
moral" e os "costumes" não percebem que, a rigor, estão apenas
demolindo uma parede para erguer outra, talvez mais adiante. Do ideário
libertino aos ideais libertários, tudo se resume a uma coisa só: como viver de
outro jeito, ou seja, como viver sob outras regras – ainda que a regra seja não
ter nenhuma! Daí, para mim, decorre a capacidade dos grandes artistas de
mudarem o mundo e imporem novos padrões de conduta: porque responderam, antes
de todos, ou com mais ênfase, à ânsia por novos padrões morais.
A
segunda premissa é desalentadora em relação à primeira: concordo com Pablo
Picasso, quando ele dizia que "o estilo é o homem". Com isso, entendo
que as respostas não estão em lugar algum, além de nós mesmos. Trata-se, sem
dúvida, de uma resposta bastante insossa, e alguém diria, até, bem apropriada
ao individualismo burguês que ainda reina absoluto em nossa sociedade. Quase
concordaria se não fosse por outro artista, o escritor-filósofo Sartre. Os
manuais de filosofia não se cansam de repetir o chavão de que, para Sartre,
"somos condenados à liberdade" e de que "a existência precede a
essência". Ao agir, assumimos a responsabilidade por nossos atos, diante
de nós e de toda a sociedade. Aí, para mim, está parte da angústia do artista
que busca uma nova estética – leia-se, uma nova forma de sentir. Creio que o
verdadeiro artista assume o risco de suas opções, como qualquer outra pessoa
consciente de seus atos. Escrever é nomear, e nomear é agir, diria Sartre em
outro texto.
E o que tem a poesia com tudo isso?
Para mim, escrever é lançar mensagens a um mar que já secou. Para que nossas
palavras vençam a árida distância que nos separa dos outros, contamos apenas
com nossa própria força. A solidão do poeta não é, como dá a entender Rilke,
uma reclusão auto-imposta. A solidão do verdadeiro poeta nasce de sua
consciência de percorrer um caminho ainda não palmilhado. E essa originalidade
expressa-se na sua obra. Imagino o poeta como alguém na fronteira da escuridão,
deixando para trás tochas indicando por onde passou. O caminho que percorreu
será iluminado até que a substância que arde em sua obra se esgote. E esse combustível
é a sinceridade com que se entregou à vida em sua plenitude – do riso ao choro;
da dor ao gozo.
Essa solidão existe, no fundo, em
qualquer pessoa – artista ou não, poeta ou não. O que diferencia o grande
artista do medíocre e dos demais cidadãos é a sua capacidade de encontrar uma
expressão radicalmente nova para aquilo que sente. Sua habilidade de nomear
aquilo que poucos supunham existir. Por isso, volto a insistir: concordo com
Picasso, quando diz que o estilo é o homem. Toda vivência é única. Todo olhar é
único. O que ressalta no artista é apenas a sua capacidade de expressar
originalmente o que sente, acima de qualquer pretensão formal, convenção
estilística ou jogada publicitária.
Penso que essa originalidade não deve
ser um fetiche, mas sim o exercício crítico, consciente e deliberado de alguém
que se afasta das respostas prontas, do confortável calor dos lugares-comuns,
das conclusões já previamente chanceladas pela opinião pública, da ansiedade de
ser prontamente aceito pela crítica, da carência afetiva de receber um afago,
do ego faminto por um elogio protocolar, para exercer a suprema liberdade de
sentir por si mesmo o mundo e a si próprio. Sem esperar recompensa alguma, a
não ser a de vislumbrar, com os próprios olhos, alguma centelha do mundo.
*Jornalista, cobre Economia e
Negócios no portal Exame. Trabalhou no serviço de notícias online, “Panorama
Setorial”, do jornal Gazeta Mercantil, na Agência Estado e em várias revistas
segmentadas. Iniciou a carreira na grande imprensa em 2000.
Nenhum comentário:
Postar um comentário