domingo, 8 de fevereiro de 2015

Primeiras impressões sobre poesia


* Por Márcio Juliboni


"Longa vida aos poetas,
cujos sonhos fazem flutuar
tantas jangadas de pedra!"
(Márcio Juliboni)

Apesar dos protestos veementes de alguns, é preciso ser justo e reconhecer que o volume de poesias publicadas pelo Literário está crescendo. Raras no início – passavam-se semanas em que um ou outro incauto eram os únicos a insistir nesse caminho, em um grupo com mais de vinte autores –, hoje, deve-se admitir que diversas obras são publicadas ao longo da semana. Não creio, como outros afirmaram aqui, que seja uma deliberada restrição dos editores da coluna, mas sim a timidez natural de todos os que escrevem versos. Poesia é fazer amor de luz acesa – leva tempo para nos expormos tanto ao outro, e tão integralmente. Já na prosa, sempre haverá a deliciosa ambigüidade: transamos mesmo com o autor, ou com algum personagem?

Estimulado pelo crescente número de poemas neste espaço, gostaria de lhes apresentar algumas de minhas impressões sobre a poesia. Não quero, com isso, criar um manual, deixar um testamento ou fundar escolas. Trata-se, apenas, de convidar os demais colaboradores do Literário, e os leitores em geral, a trocar algumas idéias sobre o que é esse negócio que pode ou não rimar, pode ou não estar em verso, pode ou não ter métrica, pode ou não ser testemunhal, pode ou não ser gráfico – enfim... pode ou não ser poesia.

Para ser didático e conciso – já que, no quarto parágrafo, todo mundo pode debandar (se é que alguém chegou ao início deste terceiro!!!) – minhas premissas são duas. A primeira: tomo estética no sentido original da palavra cunhada pelos gregos, o de educação dos sentidos. A conseqüência dessa premissa é que, para mim, toda estética, no fundo, é uma proposta moral e o artista, qualquer que seja seu meio de expressão, ao buscar uma nova estética está, na realidade, procurando uma nova forma de experimentação da vida que deseja compartilhar com os outros. Ao fazê-lo, está se dedicando a uma nova formulação moral, ou seja, o estabelecimento de uma nova forma de pensar e agir em sociedade. Essa formulação moral é imperiosa. Mesmo os artistas que se atiram raivosa ou apaixonadamente contra a "a moral" e os "costumes" não percebem que, a rigor, estão apenas demolindo uma parede para erguer outra, talvez mais adiante. Do ideário libertino aos ideais libertários, tudo se resume a uma coisa só: como viver de outro jeito, ou seja, como viver sob outras regras – ainda que a regra seja não ter nenhuma! Daí, para mim, decorre a capacidade dos grandes artistas de mudarem o mundo e imporem novos padrões de conduta: porque responderam, antes de todos, ou com mais ênfase, à ânsia por novos padrões morais.

A segunda premissa é desalentadora em relação à primeira: concordo com Pablo Picasso, quando ele dizia que "o estilo é o homem". Com isso, entendo que as respostas não estão em lugar algum, além de nós mesmos. Trata-se, sem dúvida, de uma resposta bastante insossa, e alguém diria, até, bem apropriada ao individualismo burguês que ainda reina absoluto em nossa sociedade. Quase concordaria se não fosse por outro artista, o escritor-filósofo Sartre. Os manuais de filosofia não se cansam de repetir o chavão de que, para Sartre, "somos condenados à liberdade" e de que "a existência precede a essência". Ao agir, assumimos a responsabilidade por nossos atos, diante de nós e de toda a sociedade. Aí, para mim, está parte da angústia do artista que busca uma nova estética – leia-se, uma nova forma de sentir. Creio que o verdadeiro artista assume o risco de suas opções, como qualquer outra pessoa consciente de seus atos. Escrever é nomear, e nomear é agir, diria Sartre em outro texto.

E o que tem a poesia com tudo isso? Para mim, escrever é lançar mensagens a um mar que já secou. Para que nossas palavras vençam a árida distância que nos separa dos outros, contamos apenas com nossa própria força. A solidão do poeta não é, como dá a entender Rilke, uma reclusão auto-imposta. A solidão do verdadeiro poeta nasce de sua consciência de percorrer um caminho ainda não palmilhado. E essa originalidade expressa-se na sua obra. Imagino o poeta como alguém na fronteira da escuridão, deixando para trás tochas indicando por onde passou. O caminho que percorreu será iluminado até que a substância que arde em sua obra se esgote. E esse combustível é a sinceridade com que se entregou à vida em sua plenitude – do riso ao choro; da dor ao gozo.

Essa solidão existe, no fundo, em qualquer pessoa – artista ou não, poeta ou não. O que diferencia o grande artista do medíocre e dos demais cidadãos é a sua capacidade de encontrar uma expressão radicalmente nova para aquilo que sente. Sua habilidade de nomear aquilo que poucos supunham existir. Por isso, volto a insistir: concordo com Picasso, quando diz que o estilo é o homem. Toda vivência é única. Todo olhar é único. O que ressalta no artista é apenas a sua capacidade de expressar originalmente o que sente, acima de qualquer pretensão formal, convenção estilística ou jogada publicitária.

Penso que essa originalidade não deve ser um fetiche, mas sim o exercício crítico, consciente e deliberado de alguém que se afasta das respostas prontas, do confortável calor dos lugares-comuns, das conclusões já previamente chanceladas pela opinião pública, da ansiedade de ser prontamente aceito pela crítica, da carência afetiva de receber um afago, do ego faminto por um elogio protocolar, para exercer a suprema liberdade de sentir por si mesmo o mundo e a si próprio. Sem esperar recompensa alguma, a não ser a de vislumbrar, com os próprios olhos, alguma centelha do mundo.

*Jornalista, cobre Economia e Negócios no portal Exame. Trabalhou no serviço de notícias online, “Panorama Setorial”, do jornal Gazeta Mercantil, na Agência Estado e em várias revistas segmentadas. Iniciou a carreira na grande imprensa em 2000.

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