domingo, 8 de fevereiro de 2015

O jovem Luiz Antonio ainda não morreu

* Por Jair Antonio Alves


Por mais que se esforcem os mensageiros do “Juízo final”, ainda não conseguiram matar Luiz Antonio Martinez Correa. Isso tem alguma coisa a ver com a gente, reunidos aqui hoje? Acredito que, sim! Quando, nesse mesmo local, o diretor que dá nome a esta Casa de Cultura, no final da década de sessenta, se debruçava sobre obras de Maiakovski, Brecht, pensava obviamente mudar o mundo. E aí vem mais uma pergunta: será que Luiz Antonio e todos os seus contemporâneos queriam construir um mundo como esse que estamos vivendo onde, periodicamente um sujeito é degolado à frente das câmeras do vídeo? Sempre lembrando que tais atos bárbaros são realizados em nome da “Revolução”, Justiça ou, mesmo, “em nome de Deus”! Pode-se observar que outra pergunta se faz – que tipo de Revolução nós queremos? Qual a revolução seria necessária?

Será que Luiz Antonio pensava mudar o mundo para aumentar o abismo entre ricos e pobres; despejando miséria nas periferias das grandes cidades e também as de médio porte, como a deslumbrante Araraquara? Ou será que, a exemplo de centenas de artistas, literatos, intelectuais e filósofos imaginavam um cenário onde o homem poderia ser mais amigo do próprio homem?

Vamos começar nosso trabalho de estudos sobre a obra de Luiz, justamente com O Percevejo, obra exemplar do poeta e dramaturgo russo que se envolveu até a medula e alma no processo de transformação, em sua época, para salvar o mundo da barbárie. Adianto aqui! Maiakoviski se matou porque não conseguiu suportar a frustração de ver a sua revolução tomar outros caminhos. Mais tarde, outros artistas e intelectuais também escolheram o mesmo caminho (Hemingway e Stefan Zweig); eles não aguentaram a “barra” de viver num mundo tão perversamente injusto e punitivo. Luiz Antonio não se matou, lutou contra a morte até o fim, mas foi atraído para o “matadouro” que é a intolerância. Nos deixou numa insólita véspera de Natal. Outras perguntas se sucedem, a saber: somente os grupos organizados ou déspotas que tomam parcela do poder, são responsáveis pela Barbárie ou será que a omissão, o comportamento hipócrita de grande parte das parcelas sociais bem sucedidas, porém, caladas, também o são?

Pensamos, por outra, que a esperança de mundo melhor ainda existe.  Vocês, por exemplo, que aqui vieram para conhecer a obra deste artista e os seus projetos (interrompidos) sabem que estes podem ser reinventados? 

Interessante indagar a época de sua trajetória: quais eram os “Centros de Formação” de artistas, intelectuais e outros segmentos que estavam dispostos a mudar o mundo? É fácil responder. Este “Templo” aqui em que nos reunimos, hoje: A antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Era aqui que os melhores se reuniam para “conspirar” contra um estado militar, que subjugava a maioria da população. Era aqui que nos reuníamos para ensaiar a “tomada do poder”. O Percevejo, O Casamento do Pequeno Burguês, Horácius e Curiácius eram apenas mais um projeto de conquista do paraíso. As peças projetadas nesse local por Luiz Antonio somavam-se ao gesto romântico do português livreiro, fugido da ditadura salazarista, que vendia pelos corredores volumes que traziam conhecimento e que as livrarias locais (provincianas), não ousavam comercializar. O português do qual falamos, que poderia ter lutado na “Guerra Civil Espanhola”; este era o seu desejo confesso, aproveitava os momentos de “conversa jogada fora” para “fazer a cabeça” daquela juventude. Foi aqui, também, que o jovem Diretor sonhava, um dia, montar uma adaptação de Divina Comédia. Quando conseguiu, anos depois, os tempos já eram outros e de alguma decepção, por certo. O mesmo não se pode dizer dos estudos que resultaram em a Opera do Malandro, que pela complexidade do projeto, deixaremos para tratar no final do Curso, quando os participantes se julgarem mais amadurecidos na principal tarefa que nos fez estar aqui reunidos hoje; o artista tem a ver com o tempo em que vive?

Como nos tempos da Ditadura, também “nos pós”, a pequena província reflete as maiores contradições dos grandes centros. Hoje, como no passado, é muito difícil sobreviver da Arte, propriamente dita. Por exemplo, numa cidade como São Paulo, atualmente próximo de 65 mil profissionais estão no mercado; ao menos registrados na Delegacia Regional do Trabalho(DRT); ao mesmo tempo em que o público que vai ao teatro, anualmente (mais de três vezes) não ultrapassa 50 mil expectadores. A mesma regra pode-se aplicar à cidade de Araraquara. Qual é o público que vai regularmente a teatro, pagando o seu próprio ingresso? Será que existem mais de 500 pessoas que prestam este serviço a Cultura? Parece difícil! Ao mesmo tempo se pergunta: quando se projetou jogar na praça os cursos profissionalizantes pensou-se em como engajar estes formandos, mais tarde, no mercado de trabalho? Ou será que os organizadores destes cursos pretendem somente alimentar de esperança, jovens que um dia querem galgar o cenário Nacional? Nesse particular é importante registrar que Luiz Antonio nos deixou, quando figurava como artista contratado da Tevê Globo; não como diretor, já com extraordinário currículo, mas como ator, nem tão bom assim.

E como mudamos o mundo se ao menos não conseguimos mudar nossa própria realidade? A mais imediata? Esta é a pergunta de que não foi pensada nenhuma resposta convincente.

O caminho, apesar de doloroso, é único – estudar o conteúdo de nossas obras, de nossas vidas. No segundo item, é preciso contar com o indispensável parceiro – o público que nos vai assistir. Sem ele, não existe teatro. É assim, desde a Grécia antiga. Os tempos podem ter mudado a linguagem, a forma, mas não mudou a essência do teatro – espelho da realidade social. Luiz Antonio, como nunca, cumpriu esta missão.



(*) Mais informações sobre o evento com a jornalista Suely Pinheiro - e-mail artistas.brasil@gmail.com

(Publicado no portal “Macunaima” em 31.01.2015).


* Dramaturgo

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