Edícula
* Por
Urda Alice Klueger
Fui uma leitora voraz
desde quando entrei na escola e recebi meu primeiro livro de leitura, que
devorei inteirinho no primeiro dia – considerando que fazia algo como uma
semana que a minha mãe me alfabetizara,
fazer aquilo era uma coisa que estava além das expectativas dos adultos.
Portanto, fui uma
leitora voraz desde a alfabetização, e seria difícil, hoje, fazer a conta de
quantos milhares de livros li, o que me deixou ciente de um bastante bom
vocabulário de português. Surpreendi-me, faz poucos anos, ao descobrir que
havia pessoas que não sabiam o que significavam palavras como “brumas”, ou “rés
do chão”, ou “chávena”, por exemplo. Não sei bem o que senti ao fazer tais
descobertas: se eu era uma felizarda por haver lido tanto, ou se tinha pena das
pessoas que não tinham lido. Acho que senti mais ou menos uma média das duas
coisas. Mas houve uma palavra que me escapou, e vou contar a respeito.
Nos anos da minha
infância, as pessoas moravam em casas, e lá no fundo das casas normalmente
havia um rancho, que era onde se guardava a lenha cortada, se pendurava cachos
de banana para amadurecer, onde as crianças brincavam em dias de chuva e que
tinha centenas de outras utilidades. Dependendo da casa, era lá que ficava o
banheiro e o tanque de lavar roupas. O rancho se chamava rancho se era
construído separado da casa – quando tal construção polivalente era anexa a casa,
o nome mudava para puxado. Mais tarde veio a televisão e a popularização da
palavra “puxadinho”.
Faz poucos dias que
andei olhando um lugar na Internet onde se anunciavam casas para vender e/ou
alugar. Era um lugar muito bem feito, onde apareciam muitas fotografias das
citadas casas, além de descrições da mesma, mais ou menos assim: casa com
tantos metros quadrados, com três quartos, dois banheiros, sala em dois
ambientes, cozinha com despensa e... edícula! Puxa vida, deveria ser uma coisa
muito fascinante uma edícula! Por algum motivo veio-me à cabeça essas mais ou
menos sobrelojas que casas chiques têm, e que são conhecidas por mezanino. Bem
que gostaria de ter uma casa com uma edícula iluminada por uma janelinha, como
certas mansardas que a gente encontra em romances. Colocaria lá meu computador
e poderia trabalhar enquanto espionava o funcionamento do fogão, da máquina de
lavar roupa... Se fosse perto do mar, então, dominaria o mundo da minha
edícula: veria a chegada e a saída dos navios, o vento nordeste das tardes, as
marés baixas e as lestadas, a lua cheia prateando tudo... Céus, passei a sonhar
que teria uma edícula, até que comecei a me dar conta de que quase todas as
casas anunciadas tinham edículas – será que aquilo era mesmo o que estava a
imaginar? Havia tanta gente assim, atualmente, fazendo sobrelojas nas suas
casas?
Fui a São Google,
claro! Era tempo de ver se estava certa no que pensava, já que as enciclopédias
e os dicionários, hoje, já não tem mais a mesma importância que tiveram um dia.
Fiquei com a maior
cara de tacho! Edícula não era, absolutamente, um mezanino – em português do
Brasil, edícula não é nada mais nada menos que o que antes chamávamos de
rancho, quiçá de puxado ou puxadinho!
Passei a prestar mais
atenção às fotos das casas, então. Nas edículas, hoje, normalmente existem
churrasqueiras, o que não muda nada. Era bem num vazio do nosso rancho que o
meu pai costumava fazer um braseiro e colocar sua grelha de assar churrasco,
quando era dia de festa! “Ora, direis, ouvir estrelas!”. Nossos inocentes
ranchos, hoje, foram promovidos e tem um nome sofisticado como edícula! Quem
diria! O que será que foi que eu não li para não saber tal coisa?
Blumenau, 02 de junho
de 2012.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR,
autora de mais três dezenas de livros, entre os quais os romances “Verde Vale”
(dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).
Tive um namorado que queria construir uma edícula numa fazendinha que seu pai lhe deixou de herança. No caso, seria um quarto, sala e banheiro, como uma quitinete, porém no chão. Assim, eu descobri o que seria uma edícula. O moço era de São Paulo. Também não sei, Urda, mas parece que lá seria diferente dos anúncios que você leu.
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