segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

A caminho da fogueira


* Por Daniel Santos



Ainda não era o fogo. Fogo mesmo, de verdade, com lavas, só anos mais tarde. Pouco antes de criar buço, ele apenas intuía aquela espécie de sezão que estremeceria seu corpo num assomo imperativo do instinto.

Que se lembre, um dos primeiros sintomas foi a atração pelas meias de seda da prima: ao encontrá-las no cesto de roupas para lavar, acariciou-as, passou-as no rosto, cheirou-as ... Suas têmporas latejando urgências.

Nunca antes fizera aquilo, e de repente ... De repente, aquela fraqueza nos olhos que o vento levava para baixo da saia das meninas, olhos esgazeados, cegados até!, pela visão de inéditas paisagens.

E deu de dormir com a mão dentro do short, como se tateasse nos carvões da noite algum indício da fogueira recôndita, onde rubis crepitavam na glória da gozosa consumição. Era véspera do incêndio!

Aí, os bíceps enrijeceram. Momento em que a pele quase fosforecia na fricção comburente com o instante. Ele queria escandir até ganhar têmpera. Aceitou, por isso, a febre que foi tomando todo o seu organismo.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.



Um comentário:

  1. Descobertas naturais, desejos nativos. Destaco a frase: "olhos esgazeados, cegados até!, pelas inéditas paisagens". Só quem viveu esses experimentos sabe o que significam.

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