Esse Velho Companheiro
* Por Urda Alice Klueger
De quem será que a escritora vai falar desta vez? Um velho amigo de
escola, um antigo namorado? Nada disso, vou falar é de um já velho companheiro
de todos nós, que atende pelo nome de PLÁSTICO.
Olho ao meu redor, e verifico quanta coisa de plástico faz parte do
nosso dia-a-dia: aqui, ao meu redor, tenho canetas, capas de livros, invólucros
de papel-ofício, porta-clips, a estrutura do computador, tudo de plástico; lá
na cozinha o plástico abunda, desde a garrafa do leite até os potinhos onde se
guardam coisas na geladeira. E aí me ponho a pensar em como surgiu esse
material sem o qual, agora, ficaria bem difícil viver.
Em 1966, quando eu estava com 14 anos, lembro bem de ter lido uma velha,
velhíssima Seleções do Reader’s Digest, datada de uns 20 anos antes, onde havia
uma reportagem sobre o descobrimento de um novo material. Falava-se num
material muito maleável, que poderia, inclusive, ser transformado em película e
folhas. Creio que os cientistas de época não conseguiram vislumbrar o alcance
do uso que teria o plástico, pois, uma das poucas utilidades previstas na
reportagem era de que aquele material novo poderia ser usado, por exemplo, para
embrulhar queijos. Como, nas minhas contas, 20 anos antes de 1966 dá 1946, acho
que temos a data aproximada da descoberta do plástico.
Nessa época de 1966, o plástico já estava ficando conhecido; com ele, já
se fabricavam bonecas, brinquedos, alguns utensílios de cozinha, que eram
quebradiços e que exalavam um cheiro terrível caso acontecesse de queimar. E,
mais ou menos então, fez-se uma revolução na indústria das embalagens, que
culminou com o luxo extremo de se substituir as velhas garrafas de leite, que
tinham de ser areadas todos os dias, por moderníssimos sacos de plástico. Como,
na ocasião, a maioria das pessoas ainda se abastecia das garrafas de leite de
vaca do vizinho, virou coisa chique ter-se leite “de pacote”, e cada saquinho
de leite era lavado e pendurado no varal, para ser reaproveitado.
Reaproveitavam-se os sacos de leite das mais diversas formas: para se
levar lanche para a escola, para se carregar mudas de flores de uma casa para
outra, e por aí afora. Mas houve uma idéia para o reaproveitamento dos sacos de
leite que foi genial: cortados em tirinhas, eles se transformavam em linha de
crochê. E virou moda chique, chiquíssima, se fazer bolsas de tiras de sacos de
leite. Eu tive uma delas, redonda bolsa a tiracolo para usar na missa, feita
por mim mesma com grossa agulha de crochê. As bolsas de saco de leite eram uma
questão de status, deixavam bem clara a evolução das famílias, que usavam o
leite “de pacote” e já não precisavam arear, todos os dias, as garrafas. É
claro que, algum tempo depois, tais bolsas saíram da moda, pois o progresso foi
acabando com as vacas dos vizinhos, e o consumo do leite “de pacote” tornou-se
popular, o que popularizou, também, as bolsas de crochê de saco de leite. Não
tinha mais graça usar o que já não era novidade, o que qualquer um, agora,
tinha acesso. Algumas velhinhas adeptas do crochê, porém, nunca abandonaram os
sacos de leite: Dona Noca, amiga da minha mãe, que faleceu há três ou quatro
anos, lá na praia de Armação, até a sua morte muito produziu com seu crochê
feito de tirinhas de tais sacos.
Bem, de 1946 a 1995 há um intervalo de quase cinqüenta anos, e nesse
tempo, o material novo que se supunha fosse bom para embrulhar queijos,
demonstrou ser de uma utilidade espantosa. Você, que está lendo este texto, dê
uma olhadinha ao seu redor e pense na sua vida: como você faria para viver,
hoje, sem a presença do plástico?
Ah! O plástico, esse velho companheiro!
Blumenau, 29 de Outubro de 1995
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Dezoito anos depois do seu texto, e muitos bons serviços prestados, o plástico se torna o vilão da vez, acusado de ser o grande poluidor. Espero que surja outro material tão importante quanto o plástico e menos poluente e que possa se dissolver na natureza com menos estragos. A minha mãe, nascida em 1934, viveu sem plástico e encantava-se falando dos avanços e novos usos desse fantástico material, que em seus primórdios foi chamado de "matéria elástica", se não me enganam os ouvidos e os neurônios.
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