Princesa!!!
* Por
Urda Alice Klueger
(Para Dona Lydia Scheffler dos Santos)
Há que escrever agora, quando ainda tenho nas minhas mãos a tepidez das
suas faces, da sua testa que eu acarinhava ontem, quando também acarinhava as
suas mãos frágeis como se fossem de fino cristal, e que em algum momento
sentiram que eu estava ali a amá-la tanto e seguraram as minhas, naquele gesto
tão espontâneo de quem passou a vida a espargir o bem, o carinho, a ternura,
mãos de fada ou de princesa. Nunca pensei nela como rainha porque não me
agradam as rainhas: algumas são más, mandam fazer guerras ou outras maldades, e
Dona Lydia sempre foi tão cheia de bondade que o título que mais se adequava a
ela era o de princesa, pois, pelo menos nos contos de fadas, as princesas são
boas e lindas e têm seus príncipes, e era assim que ela era, uma princesa cheia
de dignidade e de amor, mãos estendidas para acolher e para fazer o bem, braços
abertos para proteger, coração pronto para compreender e para amar.
Eu ainda era adolescente quando passei a comer seus sanduíches de bife
de fígado com pão de casa feito por ela mesma e a saber que ela existia como um
refúgio, e nessa altura ela já era mãe e avó e muitos anos nos separavam.
Passei a amá-la como mãe mesmo sem ela saber. Conhecemo-nos pessoalmente um
pouco mais tarde, quando vivíamos, as duas, grandes, imensas dores, e descobri
como nela havia aquela dignidade e aquela grandeza d’ alma que lhe eram inatas,
mesmo tendo o coração dilacerado pela partida de um dos seus príncipes. A dor,
no entanto, não lhe tirara as mãos estendidas, os braços abertos, o coração
pronto.
Um pouco depois partiu também o seu príncipe consorte, e ela se viu
obrigada a segurar sozinha as rédeas da sua emoção da carruagem da vida. Havia
toda uma corte a cercá-la, claro, os filhos, os netos e bisnetos, até uma
trinetinha nasceu e foi batizada com o seu nome, homenagem linda, coisas que
princesas recebem, mas seu arrimo maior, seu Príncipe Encantado se fora, e como
a vida deve lhe ter sido mais difícil ainda desde então! Nunca lhe faltou, no
entanto, sua dignidade de princesa e o carinho da sua gente, e foi assim que
ela não se vergou e caminhou agilmente pelas décadas seguintes.
Temos um limite, no entanto. Já passando dos noventa ela foi atraiçoada
pelo tempo, e desde então está guardando leito lá naquele Hospital Misericórdia
que é como se fosse um pouco um lar. Fui vê-la, ontem, pensando que talvez
encontrasse uma velhinha alquebrada, derrubada pelas rasteiras da vida e fiquei
encantada ao encontrá-la. Frágil e fraquinha, os cabelos e a pele de seda, as
mãos como se fossem de delicado cristal, serena e tranquila, ela continua sendo
a linda princesa que sempre foi. Fiquei conversando baixinho com ela enquanto a
acariciava, dizendo-lhe coisas assim: "Querida! Como estás linda!
Como sempre foste tão linda! Como eu te amo!"
Ela dormiu a maior parte do tempo, mas às vezes me olhava de algum lugar
muito distante, e houve um momento em que segurou minha mão e ficou a apertá-la
com a sua poderosa força de princesa. Chorei muito, tamanha a emoção.
Acordei hoje sonhando que ainda a acariciava e que ainda falava baixinho
com ela. Tive que vir escrever isto antes que a tepidez dela fugisse das minhas
mãos. Do meu coração, não fugirá.
Minha querida, minha princesa!
Blumenau, 17 de Novembro de 2013
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Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
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As lindas princesas também morrem e junto com elas morremos muito também.
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