quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A sombra e o poeta

* Por Leonardo Dantas Silva

Nos bucólicos tempos em que se podia caminhar pelas ruas do Recife, desprovidas de ladrões em cada esquina, o poeta Eugênio Coimbra Júnior costumava, por todas as madrugadas, andar pelo bairro de São José.

No seu perambular constante pelas ruas do secular bairro recifense, o poeta julgou-se, certa vez, observado por uma de suas incontáveis musas.

Naqueles becos e travessas soturnas, por entre as estreitas ruas de calçamento irregular, o poeta passou a sonhar com alguém que, todas as noites, o espreitava de uma janela, na luz mortiça da noite, sempre protegida por uma cortina transparente.

Passou, então, a por alí passar com mais frequência, quando de sua caminhava em busca do Mercado de São José, onde bebericava ou fazia alguma refeição, só para ter o prazer de contemplar aquela sombra que julgava estar por ele enamorada.

Certa vez, quando o dia já se anunciava, com os primeiros raios do sol fazendo-se mostrar do outro lado do mar, o poeta, possuído de rara coragem, resolveu aproximar-se da sua musa.

A sombra, embora difusa, ainda lá se encontrava. O vulto de mulher, que se projetava do outro lado da rua, ainda o espreitava da mesma janela. Tomando-se de súbita energia, com o coração a bater tresloucadamente, subiu de um só fôlego os lances da escada de madeira. Galgou o primeiro e, logo depois, o segundo andar, indo, finalmente, bater à porta da sua amada.

Mas, qual não foi a surpresa: Ao adentrar-se na sala, já com os raios de sol a provocar a evaporação do orvalho dos seculares telhados, viu que a sombra de sua amada, da musa por ele esperada, era apenas a de uma quartinha que, no peitoril da janela, tinha o seu perfil projetado por uma pequena luminária que passava a noite acesa; iluminando a pequena sala povoada por duas velhas poltronas, uma mesa e uma cadeira de balanço.

Retornando à redação, na Rua do Imperador, o poeta eternizou o fato em um soneto que aqui transcrevemos na íntegra:

Abro as mãos e não tenho as tuas mãos
para juntar às minhas e afagá-las.
Abro os olhos. Sumiste. Foste um sonho.
– Cabelos loiros voando em minha vida.
Os teus olhos azuis onde é que estão?
Procuro-os. Vejo-os. Quero-os e não os tenho.
Foste embora sem nunca teres vindo.
Sonho ou delírio. Ou doce alumbramento.
A marca dos teus pés ficou, no entanto,
impressa nos caminhos que eu percorro.
E, ao fim de cada tarde, eis que retorno
aos teus cabelos loiros voando ao vento,
aos teus olhos azuis, às tuas mãos.
– Sou a saudade que tens no coração.


* Jornalista e escritor do Recife/PE

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