A sombra e o poeta
* Por
Leonardo Dantas Silva
Nos bucólicos tempos em que se podia caminhar
pelas ruas do Recife, desprovidas de ladrões em cada esquina, o poeta Eugênio
Coimbra Júnior costumava, por todas as madrugadas, andar pelo bairro de São
José.
No seu perambular constante pelas ruas do
secular bairro recifense, o poeta julgou-se, certa vez, observado por uma de
suas incontáveis musas.
Naqueles becos e travessas soturnas, por entre
as estreitas ruas de calçamento irregular, o poeta passou a sonhar com alguém
que, todas as noites, o espreitava de uma janela, na luz mortiça da noite,
sempre protegida por uma cortina transparente.
Passou, então, a por alí passar com mais
frequência, quando de sua caminhava em busca do Mercado de São José, onde
bebericava ou fazia alguma refeição, só para ter o prazer de contemplar aquela
sombra que julgava estar por ele enamorada.
Certa vez, quando o dia já se anunciava, com os
primeiros raios do sol fazendo-se mostrar do outro lado do mar, o poeta,
possuído de rara coragem, resolveu aproximar-se da sua musa.
A sombra, embora difusa, ainda lá se encontrava.
O vulto de mulher, que se projetava do outro lado da rua, ainda o espreitava da
mesma janela. Tomando-se de súbita energia, com o coração a bater
tresloucadamente, subiu de um só fôlego os lances da escada de madeira. Galgou
o primeiro e, logo depois, o segundo andar, indo, finalmente, bater à porta da
sua amada.
Mas, qual não foi a surpresa: Ao adentrar-se na
sala, já com os raios de sol a provocar a evaporação do orvalho dos seculares
telhados, viu que a sombra de sua amada, da musa por ele esperada, era apenas a
de uma quartinha que, no peitoril da janela, tinha o seu perfil projetado por
uma pequena luminária que passava a noite acesa; iluminando a pequena sala povoada
por duas velhas poltronas, uma mesa e uma cadeira de balanço.
Retornando à redação, na Rua do Imperador, o
poeta eternizou o fato em um soneto que aqui transcrevemos na íntegra:
Abro as mãos e não tenho as
tuas mãos
para juntar às minhas e afagá-las.
Abro os olhos. Sumiste. Foste um sonho.
– Cabelos loiros voando em minha vida.
para juntar às minhas e afagá-las.
Abro os olhos. Sumiste. Foste um sonho.
– Cabelos loiros voando em minha vida.
Os teus olhos azuis onde é que
estão?
Procuro-os. Vejo-os. Quero-os e não os tenho.
Foste embora sem nunca teres vindo.
Sonho ou delírio. Ou doce alumbramento.
Procuro-os. Vejo-os. Quero-os e não os tenho.
Foste embora sem nunca teres vindo.
Sonho ou delírio. Ou doce alumbramento.
A marca dos teus pés ficou, no
entanto,
impressa nos caminhos que eu percorro.
E, ao fim de cada tarde, eis que retorno
impressa nos caminhos que eu percorro.
E, ao fim de cada tarde, eis que retorno
aos teus cabelos loiros voando
ao vento,
aos teus olhos azuis, às tuas mãos.
– Sou a saudade que tens no coração.
aos teus olhos azuis, às tuas mãos.
– Sou a saudade que tens no coração.
*
Jornalista e escritor do Recife/PE
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