O verso e o reverso da
esperança
A esperança, para mim,
sempre se constituiu – entre as
propaladas três virtudes teologais, instituídas como dogma pela Igreja Católica
(as outras duas são a fé e a caridade) – em motivo de permanente dúvida. É como
uma moeda que contém verso e reverso. Não tenho nenhuma certeza se devo ou não
cultivá-la. Há ocasiões em que a considero um bem, por representar a capacidade
humana da perseverança. Em outras tantas vezes, porém, quando analiso a questão
com frieza e objetividade, chego a achar que se trate de um mal, de um engodo,
de uma ilusão que nutrimos e cultivamos, principalmente quando o que esperamos
não tem a menor chance de se concretizar. E a maior parte de nossas esperanças
tem essa característica.
Esperar, convenhamos,
sempre se constituiu (e se constitui) em coisa chata, chatíssima, chatérrima e
pense o leitor em todos os superlativos que quiser para caracterizar essa
desagradável situação passiva. Não encontrei, jamais, em lugar algum, alguém
que gostasse da espera a que somos forçados a todo o momento em nosso cotidiano.
Ela nos impacienta, irrita, enche de
ansiedade e revolta. Cá para nós, é sempre, sempre e sempre perda de tempo. E este
(como não me canso de ressaltar, mesmo em se tratando de realidade para lá de
óbvia) é nosso maior capital, porquanto o tanto que dele for perdido é, queiram
ou não, irrecuperável. E olhem que aqui me refiro apenas à espera de algo ou de
alguém que, com quase cem por cento de certeza, irá acontecer ou aparecer.
Você, certamente,
estranhou esse “quase” que utilizei. Não deveria. Está no terreno das
possibilidades que a pessoa que esperamos não apareça, o que, aliás, é muito freqüente.
Mesmo em compromissos com hora marcada
(num consultório médico ou odontológico, por exemplo, ou no escritório de algum
advogado, contador etc. ou em outro lugar em que tenhamos entrevista agendada)
pode ocorrer da nossa espera ser inútil e vã, por se esgotar, quem sabe, o
horário de atendimento do respectivo profissional. Ou por alguma outra razão,
não importa. Isso também vale para filas: de banco, da previdência, de ônibus,
trens, aviões etc.etc.etc. Imaginem, então, o que é esperar algo ou alguém de
que não se tem a mais remota certeza que vai ocorrer ou que irá chegar! E isso
é considerado virtude, cantada e decantada em prosa e verso tempos afora!!! Sei
lá se é!
Há, reitero, vezes que
considero a esperança um bem, talvez por protelar uma decepção ou, pior,
profunda frustração. Mas há ocasiões em que, raciocinando fria e objetivamente,
considero essa protelação, essa espera sem certeza, como mal, como fuga da
realidade, que só tende a multiplicar o sentimento de perda quando a coisa ou o
fato ou a pessoa que tanto esperei não acontecer ou não aparecer.
A razão da esperança
ser considerada virtude teologal não deixa de ser convincente, admito. Afinal, “é
por meio dela que os crentes, por ajuda da graça do Espírito Santo, esperam a
vida eterna e o reino de Deus, colocando a sua confiança perseverante nas
promessas de Cristo”. Nesse aspecto, ela faz todo sentido. Por que? Por estar
indissociavelmente vinculada à fé. Quem acredita, sem vacilar, que a morte
física não é o fim de tudo e que, dependendo da nossa conduta nos poucos anos desta
nossa relativamente curta aventura de viver, podemos conquistar a eternidade, é
compreensível que espere até o derradeiro sopro de vida que isso ocorra.
Mas... nem toda
esperança tem essa característica, a religiosa, assim como nem todos têm uma
religião. Há pessoas que esperam as coisas mais absurdas e irracionais que se
possa imaginar, que jamais conquistarão, em estúpida e irracional dispersão de
energia e de crença. Pior são aqueles que esperam o factível, mas que exija
(tudo exige) ação para que se concretize. Contudo, em vez de agirem, permanecem
passivos à espera de algum improvável milagre. Ou seja, que o que tanto desejam,
caia do céu. Certamente, não cairá. Assim como a esperança, enquanto virtude
teologal, está necessariamente vinculada à fé, esse outro tipo de espera liga-se,
sempre, ao ato concreto, à busca inteligente e persistente, ao preparo (físico
e/ou intelectual) e, na maioria dos casos, às circunstâncias. Caso isso não
seja levado em conta, a decepção, o fracasso e a frustração serão para lá de
certos. Sei que minha dúvida significa remar contra a correnteza. Mas... é o
que penso.
Todavia, como tema
poético, não há como negar que a esperança inspira magníficos poemas. Leio, a
todo o momento, sempre com renovado prazer, várias produções, daquelas com que
não nos contentamos apenas em ler, mas que transformamos numa espécie de
mantra, senão em lemas de vida. Até para “adoçar” um pouco estas reflexões, que
podem soar amargas, posto não sejam – pois por opção e temperamento sou pessoa
positiva e otimista, sem abrir mão, porém, do realismo – partilho, com vocês, estes
versos do saudoso poeta e amigo Mauro Sampaio, cujos poemas, sempre que posso,
faço questão de divulgar:
“Um dia
os montes se abaterão
aos nossos pés
e levantaremos do chão
as estrelas caídas!”
Oxalá esse dia ocorra
mesmo, e para todos nós, e que não se trate de outra esperança frustrante e
impossível de se concretizar.
Boa leitura.
O Editor
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.
Para mim a esperança não funciona. É uma espécie de corruptela do pensamento mágico das crianças. Dupla perda de tempo, pois é fantasia que jamais se concretiza, ao mesmo tempo em que tenta nos enganar.
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